Por Caio César | 12/12/2021 | 7 min.

A verticalização é um assunto bastante polêmico quando se trata da capital paulista. Com uma população comparável à de todos os outros 38 municípios da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) somados, São Paulo e seu gigantismo roubam a cena e estabelecem ou reforçam padrões que acabam sendo absorvidos pelas cidades vizinhas.
Com a verticalização, não poderia ser diferente: a discussão é fortemente orientada em torno da capital, a despeito do PIB (Produto Interno Bruno) bem posicionado de municípios como Osasco, Barueri, Mogi das Cruzes e São Bernardo do Campo. Edifícios isolados foram alvo de diferentes reportagens por parte da imprensa, a possibilidade de revisão do Plano Diretor Estratégico acirrou ânimos e tivemos até mesmo uma coalizão entre associações elitistas de bairro e acadêmicos supostamente progressistas.
Porém, a discussão nem sempre é facilmente digerida pelo público em geral, que não está familiarizado com os jargões do direito urbanístico e nem sempre possui uma trajetória de vida que se entrelaça com pessoas e ocupações diretamente responsáveis pelo planejamento urbano.
Inconformado com os rumos das discussões e suspeitando que, a despeito de já ter publicado mais de 250 artigos por meio do Coletivo, nem sempre consigo me fazer entender, tenho refletido sobre como oferecer um caminho apaziguador para aquelas pessoas que, como eu, residem em sobrados e estão diante do fogo cruzado, afinal, eu não tenho uma coluna na Folha de S.Paulo, não sou professor em dedicação exclusiva de uma das maiores e mais bem avaliadas instituições públicas de ensino superior da América Latina, muito menos tenho grande poder aquisitivo ou estou associado com forças mercadológicas de peso, como aquelas que, sem qualquer receio, revelam que detêm um estoque de terrenos para produção imobiliária pelos próximos 15 anos.
Em primeiro lugar, eu estou longe de estar satisfeito com a produção imobiliária formal. Ela é cara e segregacionista. Temos exemplos de empreendimentos recentes, como o Panoramico, da Diálogo, na Vila Prudente, que impõe segregação dentro e fora do condomínio, separando áreas comuns, recepções e portarias. Não há como aplaudir algo assim em pleno ano de 2021. Em tempo, o terreno possui nada menos do que 5.699 m², a poucos metros da Estação Vila Prudente (linhas 2-Verde e 15-Prata), o que significa que o mercado acabou de desperdiçar mais uma oportunidade monumental e, consequentemente, a cidade também.
Sendo bem sincero, ninguém do Coletivo, em sã consciência, elogia a atual produção do mercado imobiliário formal. Já tivemos inúmeras discussões nas quais ficamos horrorizados com empreendimentos que são anunciados pelos mais diferentes canais.
Em segundo lugar, a alternativa de baixo custo do mercado formal também não me agrada, seja pelos edifícios introspectivos de baixo gabarito, construídos por figuras quase anônimas nos chamados “miolos de bairro”, com metragem na casa dos 50 m², seja pelas quitinetes, eufemisticamente chamadas de estúdios (normalmente grafadas studios, em inglês), com metragem de, no máximo, 30 m². Exemplos de quitinetes recentes em lugares privilegiados, contrastando com a verticalização luxuosa de outrora são aquelas de 20 m² do Almagah 227 da Porte Urbanismo, entre as estações Tatuapé (linhas 3-Vermelha, 11-Coral e 12-Safira) e Carrão (3-Vermelha), com uma das faces orientada para a disputada rua Itapura, um reduto boêmio e gastronômico do Tatuapé.
Insisto que precisamos diversificar usos, tipologias e rendas, assim como questiono veementemente as limitações de gabarito e o baixo aproveitamento da infraestrutura de transporte, a noção de “miolo de bairro” e acredito que não basta um choque de oferta. É preciso que o poder público e a iniciativa privada ofereçam uma perspectiva de habitação capaz de, pelo menos, conciliar unidades com uma metragem razoável para as unidades instaladas na periferia sem eliminar completamente pequenos apartamentos e quitinetes.
Em que pese meu sentimento de que a discussão está polarizada em torno de forças que não oferecem as perspectivas mais apropriadas para que a discussão evolua, sobretudo promovendo justiça social sem que precisemos esperar a eclosão de uma guerra civil, eu não seria honesto se não admitisse que é muito fácil ser seduzido por qualquer um dos lados, com ou sem nuances.
Em outras palavras, é muito fácil passar perrengue para conseguir morar em São Paulo. Não é exagero dizer que a maioria da população nasce, vive e morre enfrentando os mais diversos perrengues para se manter na cidade. Mesmo quando a moradia está quitada, o trajeto entre casa e trabalho pode se tornar sinônimo de um exercício de paciência.

Em primeiro lugar, não, não quero falar aqui sobre uma região de 20 milhões nas quais ninguém precisa gastar horas e horas se deslocando, não por desmerecer aqueles que acreditam em algo assim, mas por entender que a missão do Coletivo é lutar por um melhor transporte coletivo, que por sua vez, representa os alicerces para uma cidade mais humana e racional, na qual o transporte coletivo é uma ferramenta de acesso que não deixa cicatrizes, na qual o transporte coletivo não é um triste espelho de realidades e dilemas que são, em muito, fruto de uma cidade voltada para o automóvel e na qual as áreas com melhor infraestrutura de transporte possuem um valor de m² pornográfico.
É muito fácil ser empático, porque os problemas são muitos e não é difícil vislumbrá-los. Comprometer parte significativa da renda com o aluguel, buscar independência familiar morando num loteamento clandestino e/ou irregular, buscar uma moradia compartilhada a contragosto, contrair financiamentos intermináveis… e os problemas continuam aparecendo e aparecendo. É fácil ser empático com quem teme ser expulso do próprio bairro, é fácil ser empático com quem não aguenta mais perder 4 horas por dia no transporte público e gostaria de morar mais perto do trabalho. Um quer garantia de permanência, outro quer garantia de acesso.
Com tudo isso, qualquer elemento transformador, para o bem e para o mal, pode ser rapidamente transformado em um alvo, tanto para quem lucra com a nossa miséria habitacional, quanto para quem teme ficar numa situação ainda mais precária.
O desafio é, justamente, equilibrar os elementos, desenhar políticas públicas adequadas para reduzir assimetrias tóxicas e regular os atores mercadológicos (sobretudo os mais ferozes, com maior poder de fogo para fazer lobby, estocar imóveis e influenciar a opinião pública). A verticalização e o adensamento, naturalmente, precisarão ser parte da equação.
São Paulo erra quando transforma a verticalização em sinônimo de especulação imobiliária, expulsão da população operária, segregação socioespacial, destruição do comércio e, até mesmo, quando associa verticalização com o bem-estar do automóvel (distorcendo o papel das infraestruturas de circulação e ofuscando o mau uso e ocupação do solo que contribui para dificultar a mobilidade).
Objetivamente, verticalizar é construir edifícios mais altos, com gabarito maior. A densidade habitacional, os usos, a existência ou não de vagas de garagem (e como as vagas estão dispostas), os públicos-alvo, entre outros atributos, não são homogêneos, estão sujeitos à legislação urbanística e precisam funcionar de maneira adequada para promover uma cidade mais compacta, inclusiva e sustentável.
Outro aspecto importante é que negar a cidade não elimina os problemas. Cidades são formadas por infraestruturas de circulação e edificações, mas não precisam transformar seus rios em canais de esgoto, seus ônibus em paus de arara, seus trens em moedores de carne humana, suas moradias de menor custo em conjuntos habitacionais monótonos ou favelas apinhadas e suas ruas em oceanos de asfalto sem arborização e mobiliário.

Em 23 de julho, discutimos no grupo do COMMU a respeito do artigo “O ideal da cidade compacta ainda faz sentido?”, publicado pelo site Caos Planejado em 25/02/2021. Participaram da discussão Pedro Geaquinto, Lucian De Paula e este que vos escreve, Caio César. Geaquinto iniciou a discussão questionando as conclusões de André Sette, autor do artigo. Para Sette, o planejamento urbano muitas vezes revela posturas contrárias ao urbano, o que é paradoxal:
Problemas são resolvidos com ideias e atitudes. Não são resolvidos com cinismo. Não há nenhum salvador, milagre ou política pública capaz de solucionar décadas ou séculos de problemas complexos acumulados e embaraçados. Tudo que há é aquilo que já temos: as pessoas de sempre e as ferramentas de sempre.
Quais pessoas e ferramentas, você talvez se pergunte? Pessoas como nós, do COMMU, que comprometem tempo, dinheiro e oportunidades profissionais para tentar movimentar as engrenagens e contribuir, ainda que muito pouco, para a conscientização e organização da sociedade civil. Ferramentas como o nosso site e como computadores e seus programas, que, aliados a boas metodologias, oferecem alternativas de comunicação social e de construção de habilidades sofisticadas, como produção cartográfica, análise de grandes bases de dados, entre outras.
Se queremos resolver mais problemas, precisamos de mais pessoas que possam encará-los pelo tempo que for preciso, com as mais diversas ferramentas, mesmo que os resultados sejam microscópicos ou inexistentes, sobretudo no início da jornada.
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