Considerações sobre o incerto monotrilho do ABC

Por Caio César | 31/03/2019 | 8 min.

Legenda: Congestionamento típico na frente do paço municipal de São Bernardo do Campo
A Linha 18-Bronze, como é chamada pelo governo, patina por falta de financiamento e está ameaçada pelo lobby do ônibus, que tenta convertê-la em um sistema de BRT

Índice


Dor e sofrimento

É impressionante como a região do Grande ABC (oficialmente denominada Sub-região Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo) parece gostar de ônibus e de carros. Não bastasse a subutilização do potencial da Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), o projeto de uma linha de monotrilho relativamente curta e direta, passando por São Caetano, Santo André e São Bernardo, parece estar definitivamente ameaçado.

Segundo os dados da Pesquisa Origem Destino da Companhia do Metropolitano de São Paulo, em 2007, o Grande ABC era a única região na qual a utilização dos modos individuais supera os modos coletivos (53,3% ante 46,7%):

O governador João Doria (PSDB) já havia acenado que estava disposto a buscar uma alternativa (leia-se: viabilizar uma solução empregando ônibus) e, num movimento pouco surpreendente, dialogou com a oligarquia legal que opera sistemas de ônibus de qualidade bastante duvidosa, notadamente envolvida com a operação dos ônibus municipais de São Bernardo do Campo, com a concessão da Metra (que opera no Corredor Metropolitano ABD, que liga São Mateus ao Jabaquara, atendendo os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema) e com empresas permissionárias (como a Viação ABC), estas últimas ligadas ao transporte intermunicipal regulado pela EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos). Ainda em março de 2019, o governador sancionou lei que amplia o leque de opções de financiamento para a Linha 18 (Tamanduateí-Djalma Dutra), porém, a adoção do monotrilho segue incerta; a ampliação das opções é importante, pois há mais de dois anos a linha patina por não conseguir financiamento.

Legenda: Corredor Metropolitano ABD, com pontos cheios por volta das 15h e embarque na linha 285; ônibus da linha 152 sentido Área Verde por volta das 13h30, praticamente sem passageiros em pé

Considerando a tipologia do viário que receberia as pilares do monotrilho, não é possível imaginar um sistema de BRT (Bus Rapid Transit, em inglês, que alude à aplicação de tecnologias comuns em sistemas de metrô para sistemas de ônibus, de forma a convertê-los numa espécie de solução de transporte de massa) com capacidade comparável. Vale traçar uma rápida comparação:

  • Se o BRT for elevado, ele causa mais impacto visual do que o monotrilho, além de restringir ainda mais a possibilidade de aumento da capacidade;
  • Se o BRT for em superfície, ele causa menos impacto visual do que o monotrilho, mas exige mais desapropriações, principalmente se a ideia for tentar equiparar a capacidade;
  • Num cenário hipotético no qual monotrilho e BRT possuem a mesma capacidade com o mesmo impacto, apenas o primeiro consegue aumentar a capacidade facilmente ao longo dos anos.

Observação: outros aspectos envolvendo monotrilhos e BRTs já foram discutidos por nós no passado, confira-os em “Monotrilho versus BRT: parte 1”.


Controvérsias

O projeto do monotrilho não está livre de polêmicas: o traçado passa por áreas de várzeas de rios (ou seja, planícies de inundação) e a construção de estações após o paço de São Bernardo do Campo, considerando as feições do viário existente (vulgo da Av. Brigadeiro Faria Lima), é bastante desafiadora. Mesmo assim, o projeto atual contempla apenas uma estação pós-paço: Djalma Dutra, cuja supressão não parece ser, a princípio, tão impactante assim. As outras estações previstas para serem construídas após o paço são da segunda etapa da implantação, logo, estão num campo ainda maior de incerteza.

Legenda: Fonte: Metro Jornal, 2019

É claro que o ideal é buscar a desocupação gradativa das várzeas e a construção de espaços compatíveis com o comportamento das águas, como parques lineares com áreas inundáveis, porém, a Linha 18-Bronze está longe de ser o grande vilão em relação às várzeas de rios ocupadas ao longo do trajeto, até porque não induziu a ocupação daqueles tecidos, além disso, considerando as atribuições conferidas pela Constituição Federal de 1988, os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, não ficando restritos à vizinhança da futura Linha 18-Bronze, estão livres para adotar planos diretores e zoneamentos que visem controlar o uso e a ocupação do tecido urbano. Finalmente, como apontou a professora Luciana Travassos da UFABC (Universidade Federal do ABC) em entrevista ao Universo Online, inundações não podem ser eliminadas:

Não é possível eliminar porque elas são naturais do território. A gente tem uma bacia com rios que tendem naturalmente a inundar mesmo que a gente faça uma série de obras de infraestrutura.

O que é possível fazer é minorar os efeitos das inundações. As áreas inundáveis precisam ser mapeadas, e a gente precisa, a curto, médio e longo prazo, implantar usos que sejam compatíveis com a subida das águas.

Legenda: Apresentação do consórcio VemABC, com renders ilustrando o traçado previsto para a linha, postado no canal do blog MetrôCPTM

Os problemas de mobilidade no ABC não serão solucionados pelo monotrilho

Já abordamos questões da mobilidade na região do Grande ABC ao longo dos anos e, definitivamente, a Linha 18-Bronze não vai solucionar todo e qualquer problema. É uma ligação relativamente curta, que busca fornecer um acesso menos parador em relação à Metra e/ou que não depende de rodovias e de trechos urbanos travados e já servidos por linhas como a 152 e a 153.

A construção da Linha 18 não exime o governo estadual de dar continuidade à modernização da Linha 10 da CPTM, que atualmente peca bastante em acessibilidade e capilaridade, tanto por possuir estações centenárias e dos anos 1960, como por não oferecer um serviço expresso de verdade, que permita à CPTM dinamizar o serviço parador com mais estações. Com a implantação da Linha 18, como evidenciado pela mapa acima, é possível estudar o estabelecimento de ligações perimetrais utilizando a EMTU, o que torna ainda mais oportuna a presença de novas estações na Linha 10, desde que a CPTM finalmente implante um expresso decente e acrescente novas e necessárias estações ao serviço parador.

Similarmente, a construção da Linha 18 não exime o governo estadual, por meio da EMTU, de colocar um ponto final à operação vergonhosa realizada por várias empresas permissionárias. Talvez com a concessão, linhas como a 152, que possuem trajeto privilegiado devido ao uso intensivo da rodovia Anchieta, poderiam ser beneficiadas por uma frota mais adequada, padronizando o uso de veículos com piso baixo, motor traseiro e ar condicionado. Atualmente o passageiro até encontra um ou outro ônibus de piso baixo na 152, adquiridos pela Viação Riacho Grande após a falência da empresa Oak Tree, que operava no sistema da SPTrans em São Paulo.

Vale ainda dizer que ETCSBC (Empresa de Transportes Coletivos de São Bernardo do Campo), SATrans (Santo André Transportes, antiga EPT) e SEMOB (Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de São Caetano do Sul) são inteiramente responsáveis por sustentar sistemas municipais frouxos, fragmentados e com baixa prioridade viária. O sistema de São Caetano do Sul é minúsculo, caro e sem integração tarifária com a CPTM, repetindo o mesmo erro de municípios como Poá; Santo André e São Bernardo do Campo parecem disputar para ver qual deles consegue melhor favorecer empresários e manter um sistema de ônibus com frequência e itinerários de qualidade duvidosa, além disso, também não há integração tarifária com a CPTM em Santo André, a despeito da presença das estações Utinga, Prefeito Saladino e Prefeito Celso Daniel·Santo André. Em nenhum dos três casos a Linha 18 vai forçar integração tarifária ou racionalização das linhas de ônibus, tudo dependerá exclusivamente dos municípios, pois assim também determina a Constituição Federal de 1988. Vale ainda dizer que, apesar dos esforços de São Bernardo do Campo para implantar corredores de ônibus, fica evidente pela tipologia das paradas, dos veículos e do próprio viário do corredor, que a capacidade dificilmente vai superar 10 mil pessoas/hora por sentido.

Legenda: Parada em implantação na Av. Senador Vergueiro: futuro corredor de ônibus de São Bernardo do Campo é muito tímido em infraestrutura e notadamente limitado em capacidade

Num mundo ideal, os municípios do Grande ABC poderiam ter aproveitado o regime de consórcio para implantar um sistema único, uniforme e de qualidade, que inclusive poderia contribuir para racionalizar imensamente o papel da EMTU, estimulando outro arranjo, com esta servindo basicamente para as ligações para outras regiões da metrópole (notadamente a capital paulista e o Alto Tietê) e construção de infraestrutura de interesse metropolitano (como foi o caso do Corredor Metropolitano ABD no passado). O governo estadual, inclusive, poderia fazer parte do consórcio.


Conclusão

Faz pouco sentido se opor à Linha 18-Bronze. A estrutura em elevado tem potencial de causar menos impacto, se comparada com o elevado do Expresso Tiradentes ou outros elevados tradicionais encontrados no sistema metroferroviário, como o da Linha 5-Lilás (Capão Redondo-Chácara Klabin) na Zona Sul da capital.

O governo não precisa repetir os erros da Linha 15-Prata (monotrilho recém-concessionado à CCR, que atualmente circula entre as estações Vila Prudente e Vila União), podendo acertar no projeto paisagístico e no diálogo com os municípios para que estes compreendam e pactuem transformações importantes para aumento da resiliência ao longo das várzeas, evitando a repetição das cenas que marcaram o mês de março de 2019.

Encerramos dizendo que a concessionária VemABC segue reiterando a disposição em seguir com os planos originais (vide notícia de 2017 e de 2019) e que, além disso, no final de 2018, os prefeitos de São Bernardo Campo e Santo André expressaram desejo de que o governo estadual se comprometa a iniciar as obras.


Colaborações: Diego Vieira



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