Verônica Bilyk volta a atacar COMMU em audiência sobre quadrilátero elitista

Por Caio César | 14/05/2025 | 9 min.

Legenda: Fotografia dos limites das Vilas do Sol, na rua Mateus Grou, Pinheiros. Morfologia não condiz com infraestrutura instalada. À direita, um supermercado, comparável à nada popular rede St. Marche, batizado com o sugestivo nome de Quitanda
Convocada pela vereadora Mariana Bragante (Rede Sustentabilidade), a audiência ocorrida ontem, 13, foi mais uma escancarada demonstração do descompasso entre o progressismo e o combate às desigualdades e violências estruturais que permeiam o cotidiano da capital paulista e sua região metropolitana

Legenda: Slide exibido durante a transmissão da audiência da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente no canal da Câmara Municipal de São Paulo. Fica a pergunta: seria inclusivo um quadrilátero com imóveis de 4 a 7 milhões em lotes monofuncionais? Clicar na imagem também reproduz o vídeo no YouTube

Embora a mandatária tenha pedido por respeito nos minutos iniciais da audiência, Verônica Bilyk, publicitária e empresária que já foi proprietária de um bistrô polonês em Pinheiros (veja mais aqui, aqui, aqui e aqui) e candidata à Câmara de São Paulo pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) em 2024, reagiu negativamente pouco depois de um comentário inicial nosso no YouTube, contrariando eventualmente as orientações. O Coletivo não se rendeu à baixaria.

Abaixo, a reprodução da conversa entre nós e Verônica, que também é um dos principais nomes do Pró-Pinheiros. Tomamos a liberdade de corrigir erros de português, adicionar esclarecimentos adicionais entre colchetes e de suprimir trocas de mensagens com outros indivíduos. Para maior clareza, a ordem de algumas mensagens foi alterada e complementada por aninhamento de parágrafos para demonstrar a inserção das réplicas.

COMMU: Mais uma vez, mandatos supostamente progressistas acolhem milionários com desejos de segregação baseados em todo um arsenal semântico perigoso, sem qualquer responsabilidade com impactos mais amplos.

COMMU: Quadrilátero que não passa de um lifestyle center vizinho a um bairro muito bem conhecido de mansões, o que é, por si só, outro grande absurdo normalizado a partir de greenwashing.

COMMU: Repleto de imóveis com garagens, carros circulando e densidade aquém do ideal, sem diferenciais suficientes. E, pior, ao lado de uma estação do miolo da Linha 4-Amarela.

COMMU: Especulação imobiliária ≠ atividade construtiva.

COMMU: Pinheiros é um bairro central e apenas uma pequena fração pode sofrer com adensamento construtivo mais intenso.

COMMU: Como garantir paridade quando o exercício da cidadania é assimétrico? Pinheiros tem sorte de que a periferia precisa sobreviver e não pode questionar a segregação socioeconômica e étnica-racial. [Sobre as disputas em torno do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).]

COMMU: Estamos diante de um movimento que pode introduzir organizações com poder similar às HOAs dos EUA, agravando nossa crise habitacional. [Denunciando as pretensões que identificamos nas associações de moradores dos chamados “bairros nobres”, que parecem flertar com o tipo de poder concentrado nas house ownership associations dos Estados Unidos.]

COMMU: São Paulo é uma cidade extremamente assobradada e, justamente por isso, não é compacta e impõe deslocamentos perversos. Romantizar a escala do bairro é negar os problemas na escala da metrópole. [Questionando a romantização das “vilas” como a suposta única e última sociabilidade bem-sucedida da cidade.]

Bilyk: Defender o tombamento é defender a identidade de Pinheiros.

COMMU: A identidade de Pinheiros é uma agressão frontal às maiorias.

COMMU: Identidade que depende de muitas Guaianases para ser viável.

COMMU: Não faz sentido preservar tecidos de baixa densidade em áreas atendidas por sistemas metroferroviários de alta frequência.

Bilyk: Diminuir as lutas de cada território… tsc, tsc, tsc.

COMMU: Não existe luta isolada.

COMMU: Sua luta interfere em outras.

COMMU: Ou será que você se esqueceu de que Pinheiros é apenas uma região minúscula numa mancha de 20 milhões de pessoas?

Bilyk: Você sempre querendo adorar apenas aos seus próprios dogmas sem nem saber da missa a metade.

COMMU: Dogmático é quem defende um apartheid sobradista.

COMMU: Ninguém da periferia tem a obrigação de se ajoelhar diante dos caprichos de Pinheiros, sobretudo quando é flagrante a baixa solidariedade com o restante da cidade.

Bilyk: Fale consigo mesmo na sua câmara de eco.

COMMU: Câmara de eco é o Pró-Pinheiros, que não sobrevive a uma viagem na CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos].

COMMU: Que nega a realidade daqueles que fazem o bairro funcionar.

Bilyk: Cego, cego, cego, e não sabe de nada.

COMMU: A classe trabalhadora não se limita aos burgueses e aburguesados de Pinheiros.

COMMU: Ninguém aqui é cego. E se você pretende levar adiante suas pretensões eleitoreiras, deveria ter mais respeito pelo contraditório.

COMMU: Por que não aprende a usar o Google Maps?

Bilyk: Pinheiros não está à venda!

COMMU: Pinheiros sempre esteve à venda e a paisagem atual é produto dessa dinâmica.

Bilyk: Parabéns ao Quadrilátero, que fez uma escuta participativa e inclusiva. Um exemplo de democracia e contato com o território.

Bilyk: Se não fosse tão legítima, a sua luta jamais teria chegado nessa instância.

Bilyk: Ainda com o apoio de bairros e associações de toda a cidade. De norte a sul, de leste a oeste.

COMMU: Escuta participativa ou câmara de eco?

COMMU: “jamais teria chegado nessa instância”. Logo mais, você entende o que é desigualdade e percebe como é assimétrico o poder na cidade. E o seu é maior do que o de milhões.

COMMU: A favela do Moinho, por exemplo, não tem 10% desse poder. Aliás, é simbólica essa audiência no atual momento.

Bilyk: Esse rapaz acha que sabe tudo… outsider é pouco. Preconceituoso, desinformado. Péssimo. Não agrega nada.

COMMU: Nós também estudamos.

COMMU: Nem todo mundo aqui é rico e criado na USP [Universidade de São Paulo] e no Centro Expandido.

COMMU: Somos produto das políticas do PT [Partido dos Trabalhadores] para a ampliação do acesso ao ensino superior.

COMMU: E vamos transformar a realidade.

Bilyk: Se faz de coitado.

Bilyk: Acha que todo mundo é rico, poderoso. Sabe de nada, inocente.

COMMU: Claro, Pinheiros virou Francisco Morato [município do noroeste metropolitano] agora.

A discussão se encerrou com Bilyk reforçando sua superioridade em termos de capital social, citando nomes de terceiros e agradecendo ao mandato pela audiência convocada para discutir o tombamento do quadrilátero de luxo. Lamentamos que a oportunidade não tenha sido melhor utilizada para que as partes pudessem compreender e debater educadamente suas divergências. O triste episódio envolvendo um nome do Pró-Pinheiros não é o primeiro e, infelizmente, não parece ser o último.

Merecemos respeito Nós tentamos, mas o Pró-Pinheiros, uma das organizações na linha de frente pela manutenção de características insustentáveis e segregacionistas dos bairros do Centro Expandido, afirmou que nossa insistência é uma demonstração de grosseria, calcada numa tentativa de “disputa de conhecimento por rede social”. A declaração ocorreu por comentário no Instagram, quando reagimos aos risos do Pró-Pinheiros em relação a outra interlocutora, que disse nossos argumentos eram incompreensíveis. Legenda: Reação da Pró-Pinheiros e últimas interações antes do bloqueio Adoraríamos divulgar o teor da primeira tentativa de diálogo por mensagem privada, iniciada após uma crítica da nossa parte a um conteúdo de curta duração (story ou stories, na terminologia do Instagram), mas não o faremos para reduzir o risco de um processo por danos morais, já que o bloqueio nos impede de buscar consentimento.

Afirmações ou ataques, tais como “cego”, “preconceituoso”, “desinformado”, “péssimo”, “não agrega nada”, “querendo adorar apenas aos seus próprios dogmas” e “se faz de coitado” não parecem compatíveis com um indivíduo que demonstrou pretensões políticas num passado recente, configurando também uma violência contra um coletivo que tem muito de sua produção construída entre a Zona Leste e o Grande ABC, com inegáveis laços com os transportes públicos e vasta cobertura de temas indissociáveis das vidas das maiorias, que não possuem patrimônio e poder de compra capaz de fazer frente a grupos de proprietários entrincheirados em associações de “bairros nobres”.

É preciso sublinhar que opinar destacando as interferências entre diferentes tecidos das cidades atendidas pela malha de transporte sobre trilhos é legítimo — e não costuma ser difícil fortalecer tais opiniões com dados e trabalhos acadêmicos. A baixa receptividade não surpreende, podendo ser interpretada como parte da dinâmica de estigmatização territorial. Ademais, as barreiras de acesso, na leitura deste Coletivo, não envolvem apenas infraestruturas de mobilidade isoladas, uma vez que trens e ônibus não circulam no vácuo.


As dificuldades de acessibilidade urbana nas periferias da metrópole de São Paulo são o resultado de um processo histórico, impulsionado pelas estratégias das elites econômicas, por meio da concentração de oportunidades e serviços públicos, estigmatização territorial e evitação social. Esse processo fundamenta-se no tempo de deslocamento como uma barreira invisível a acessibilidade urbana aos empregos, dificultando a inserção social da população periférica da cidade de São Paulo e das periferias metropolitanas das demais cidades da RMSP.
DA SILVA, RICARDO BARBOSA. Tempo de deslocamento como barreira à acessibilidade urbana na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), Brasil. Geografares, v. 4, n. 38, p. 329–352, 28 jun. 2024. Citação extraída da página 334

Não por acaso, Ricardo Barbosa da Silva, citando com maestria nomes como Pierre Bourdieu, Milton Santos e David Harvey, sublinha que “esses grupos terminam por não se identificar com os lugares em que há oferta desses serviços, por não se considerarem bem-vindos”. Como autor deste texto e indivíduo nascido e residente na Zona Leste, parcela da capital que enfrenta estigmas de origens internas e externas, exercito minhas liberdades à luz dos direitos preconizados pelo Estado Brasileiro para me autoidentificar como parte dos grupos que se sentem indesejados em bairros com m² exorbitante, não estando obrigado a ser pedagógico e empático com audiências cínicas e sutilmente violentas em benefício destes.

E a autoidentificação vai além e respinga nas organizações da sociedade civil: as associações de moradores não possuem capacidade coercitiva, muito menos estão ao abrigo do arcabouço eleitoral. Ainda que as causas associadas ao Pró-Pinheiros e outras organizações simpatizantes possam representar uma parcela das pessoas eleitoras da capital, não há como garantir apoio majoritário da maneira aludida e, mais do que isso, não há como validar toda posição majoritária como sendo automaticamente a melhor. Ao fazê-lo, há o risco de dar início a uma tortuosa valsa populista.

E, ainda que dotados de problemáticas próprias, outros tecidos da Região Metropolitana de São Paulo atendidos pelos transportes públicos com capacidade estruturante, felizmente, possuem certa capacidade de rivalizar com os “bairros nobres” do Centro Expandido.

Cerca de metade da população da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) reside nos 38 municípios que orbitam ao redor da capital e, mesmo dentro da capital, parcelas significativas residem a uma distância considerável (a 20, 30 ou mais km de distância) das novas centralidades constituídas ao longo do rio Pinheiros, como Vila Olímpia, Itaim Bibi, Berrini e Faria Lima. Por que um morador da Zona Leste deveria tratar o parque Ibirapuera como principal parque do município, quando reside a uma distância mais curta dos parques do Carmo, do Piqueri ou do Ceret?

Apesar de enxovalhados sob a rotulagem de cafonas e reacionários, uma série de lugares são capazes de oferecer habitação, consumo e amenidades a preços mais competitivos, sendo a mobilidade urbana um dos maiores desafios, sobretudo com a versão paulistana do white flight, com explícito escorrimento dos capitais mais sofisticados em direção ao rio Pinheiros, dando origem a uma nova cidade dual, formada por subúrbios numa margem e eixos de escritórios em outra, que se sobrepôs à anterior urbanização difusa e de baixo gabarito, a qual contrastava com a paisagem mais vertical do centro histórico.

Finalmente, a quem interessar possa, outras falas questionáveis podem ser evidenciadas na notícia publicada ainda ontem no site da Câmara. Mais uma vez, perde a cidade.




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