Linha 12: quando nossos sistemas de transporte falham, é sinal de que nós podemos ter falhado também

Por Caio César | 31/10/2014 | 6 min.

Legenda: Nova Estação São Miguel Paulista da Linha 12-Safira da CPTM
O título pode soar provocador para alguns, mas a chamada é clara: somos todos cidadãos e somos responsáveis pelos rumos das empresas de transporte coletivo que giram em torno de nossas obrigações cotidianas

Índice


Histórico

De pingentes (usuários pendurados nas portas), trens com assoalho remendado por tábuas de madeira e meia dúzia de estações precárias (algumas de mais de meio século de idade), a linha passou a viver, principalmente a partir de 2005, uma nova fase, que resultou, sobretudo no período compreendido entre os anos de 2006 e 2008, na inauguração de novas estações e entrega de trens reformados e/ou modernizados. A última novidade na Linha 12 foi a reinauguração da Estação São Miguel Paulista em 2013, totalmente reconstruída. A demanda de passageiros também vem subindo, de 176.203 transportados em Abril de 2009, já eram 224.056 em Fevereiro de 2013, uma diferença de 27%.


Demanda reprimida

Toda a rede da CPTM ainda apresenta o que alguns chamam de demanda reprimida, termo que traduzido para a realidade de São Paulo, significa que usuários potenciais que não utilizavam os serviços da empresa passam a fazê-lo assiduamente quando alguma mudança notável ocorre. A inauguração de estações totalmente novas, como Jardim Helena—Vila Mara e Jardim Romano, por exemplo, são dois exemplos de mudanças notáveis, que atraem usuários aos milhares.

As melhorias feitas, no entanto, são esquecidas em questão de dias, horas ou até minutos, dependendo do impacto causado por falhas. Uma parcela dos usuários parece alimentar a esperança de trem sempre vazio e viagem sempre rápida. Uma utopia completa, que por si só, revela o desconhecimento não só sobre os problemas da própria CPTM, mas também sobre os problemas dos locais atendidos.


Precisamos nos questionar: falta planejamento ou o planejamento é feito espelhando o interesse (ou talvez seria melhor dizer desinteresse) da população? Ainda que possamos afirmar que as obras tiveram uma duração aquém do esperado, é possível afirmar que a participação popular foi suficiente, se é que existiu? Não podemos nos omitir.

A diferença entre os valores investidos na rede da CPTM e na rede do Metrô é abissal, enquanto o Metrô de São Paulo vem sendo expandido a passos de tartaruga, a rede da CPTM vem sendo requalificada tão lentamente quanto. A Secretaria dos Transportes Metropolitanos prevê investir no período compreendido entre os anos de 2012 e 2015 um montante de quase R$ 30 bi no Metrô, contra cerca de apenas R$ 9.4 bi na CPTM, a informação é do próprio secretário Jurandir Fernandes, em sua apresentação no 8º Encontro de Logística e Transportes da FIESP.

No rastro deixado pelas suspeitas de cartel e favorecimento de empresas, precisamos questionar a quem as obras visaram atender em primeiro lugar, se a nós usuários ou a empreiteiras de grupos inescrupulosos que financiam campanhas políticas. Qual o “prazo de validade” das intervenções? Somos diretamente culpados ao não realizarmos pressão e não nos preocuparmos com os rumos dados à infraestrutura de transporte que utilizamos diariamente.

A superlotação dos trens da CPTM é também reflexo de uma região metropolitana que possui na capital São Paulo uma ocupação questionável do solo, provocando pendularidade excessiva (quando apenas um sentido é demasiadamente movimentado) e dificultando cada vez mais uma relação saudável entre a moradia e o ponto de interesse (trabalho, escola ou faculdade, equipamento cultural ou de entretenimento etc). Enquanto a Prefeitura de São Paulo já vinha aventando a possibilidade de estimular o surgimento de empreendimentos na Zona Leste da capital, precisamos lembrar que Operações Urbanas Consorciadas (OUCs) como a Rio Verde-Jacu amargaram fracasso em vista dos interesses escusos do mercado imobiliário, que busca ocupar e valorizar áreas sem forte preocupação com o desenvolvimento sustentável da capital, de maneira que a ocupação de áreas com potencial de valorização maior e menor risco é preferida por tais empresas (ver menção ao processo, com especial citação à OUC Rio-Verde Jacu na tese de Camila Pereira Saraiva, página 46). Precisamos, portanto, cobrar um processo que estruture o desenvolvimento urbano e econômico, alicerçado nas linhas que já existem, buscando aliar infraestrutura pesada (e dispendiosa) com pontos de interesse diversos, que movimentem a economia da região solidamente.

Ao crer na aliança entre a ferrovia e os imóveis do entorno, acredito também fortemente que faz-se necessário o desenvolvimento de estudos que deem à rede de trens metropolitanos um maior fôlego, não somente com a redução de intervalos e aumento da frota de material rodante (trens) circulante, mas com o desenvolvimento urbano e econômico, o que também pode permitir uma dinamização das fontes de receita e uma menor dependência do mesmo governo para a obtenção de subsídios (o que é conhecido por Subvenção Econômica, conforme o Relatório Administrativo da CPTM, ano 2012,, página 43). Para que a CPTM dispense subsídios, esta precisa reduzir, de alguma forma, a necessidade do repasse de R$ 0,70 por passagem (levando em conta o exercício de 2012). O estudo deve provar que com adensamento, projetos imobiliários associados, mudanças drásticas na relação entre os trens e o entorno, melhor urbanismo etc, a realidade pode ser surpreendente mais positiva.

Conforme explica Marcos Kyoto de Tani e Isoda em sua tese da USP (Transporte Sobre Trilhos na Região Metropolitana de São Paulo: Estudo sobre a concepção e inserção das redes de transporte de alta capacidade, página 75):

“De uma maneira geral, podemos caracterizar a rede de trens metropolitanos por uma extrema heterogeneidade. Seja no tocante ao material rodante, nas estações, seja aos serviços, a qualidade oscila entre níveis muito bons e extremamente precários com grande facilidade. São realizadas alterações somente em trechos curtos, algumas de grande vulto como as reformas na Estação da Luz, ao mesmo tempo em que se mantêm situações extremamente precárias como as estações Jundiapeba ou Capuava, edifícios antigos e mal conservados com travessias de nível para veículos e pedestres.”

Legenda: Estação União de Vila Nova. Imagem gerada por meio de computação gráfica. Divulgação/SISTRAN Engenharia

A busca por um padrão de qualidade homogêneo deveria estar nas prioridades do Governo do Estado de São Paulo, mas não está, pois mesmo nas obras realizadas no mesmo governo, é possível observar que não há um padrão sólido a ser obedecido, ocorre que cada governante e seu grupo de cargos de confiança enxergam a rede e os trens de uma forma, modificando a natureza das intervenções. De uma visão integradora nos tempos de Serra, passamos para uma visão mais segregacionista e atrasada com a retomada de Alckmin, na última gestão, projetos de estações para a CPTM foram, inclusive, simplificados.


Promessas e conclusão

Quando lembramos que a redução dos intervalos para três minutos médios é prometida há mais de uma década e meia… é fácil pensar que os problemas vão se somando com a demanda reprimida e crescente, em uma região metropolitana com uma capital cada vez mais enforcada pelo uso indiscriminado do automóvel, além da ausência de políticas de mobilidade urbana e da inexistência de um plano diretor que seja rigorosamente seguido não só na capital, mas em toda a região metropolitana.

Não podemos nos isentar de culpa, da comunicação falha da CPTM ao vandalismo perpetrado por alguns descontentes mais exaltados, temos nossa plena parcela de culpa. Observamos promessas que não se cumprem, observamos requalificações que não se sustentam, observamos regiões que não se desenvolvem. O convite a reflexão feito anteriormente é, mais uma vez, reforçado.




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