A exaltação das dificuldades com o transporte coletivo é suficiente para que as causas sejam investigadas?

Por Caio César | 23/10/2014 | 6 min.

Legenda: Ponto de ônibus no horário de pico (sentido bairro), Radial Leste, altura da Estação Tatuapé
Por uma abordagem diferente sobre os problemas do transporte coletivo paulista

Quando falhas ocorrem em linhas como a 3-Vermelha do Metrô de São Paulo, transbordam nas redes sociais críticas ao serviço da Companhia do Metrô, à superlotação e à precariedade do transporte coletivo em geral. São críticas oportunas, obviamente, mas precisamos ir além na captura do descontentamento.

O problema é que reclamar da superlotação ou dizer que o transporte público é precário, é chover no molhado. Não resolve mais. É um grito de sofrimento que se tornou banal. A imprensa banaliza os casos de violência mais hediondos das grandes regiões do país e não poderia ser diferente com a mobilidade urbana de nossas metrópoles. Triste dizer, mas nunca inoportuno lembrar.

Precisamos ir além: por qual motivo é superlotado? O que fazer para deixar de ser precário? O que classifica a precariedade e a superlotação? São perguntas que eu não responderei diretamente, mas que deverão servir de reflexão em meio à leitura. São perguntas que futuramente serão objeto do que o COMMU pretende fazer, produzindo informação e fazendo intervenções diversas a favor de uma melhor mobilidade urbana.

Nas minhas andanças nas seções de comentários de grandes veículos da imprensa e também das publicações feitas pela CPTM e pelo Metrô, percebo que diversas questões são deixadas de lado em meio às reclamações. Ora, se questões estruturais são deixadas de lado, como esperar que problemas complexos sejam resolvidos, atendendo aos anseios da parcela da população que sofre com o serviço? Simplesmente os problemas não serão tratados na velocidade que desejamos.

Legenda: Estação Tatuapé na década de 1980. Plataformas da Rede Ferroviária Federal (atualmente utilizadas pela Linha 11-Coral da CPTM). Acervo da Companhia do Metropolitano de São Paulo

No caso da Linha 3-Vermelha, por exemplo, temos uma uma clássica linha suburbana. Conecta os subúrbios da Zona Leste da capital — vai ter gente querendo me matar, mas paciência — às centralidades que estão na Zona Central e na Zona Oeste, notadamente, localidades como República, Sé e Barra Funda. No caso da Linha 3-Vermelha, o atendimento das seguintes estações herdou usuários da CBTU:

Algumas das estações que perderam os usuários para a Linha 3 continuam degradadas e fechadas mesmo nos dias de hoje. O fechamento ocorreu em 27/05/2000, ano de inauguração do Expresso Leste da então Linha E-Laranja da CPTM, hoje conhecida por Linha 11-Coral.

Legenda: Foto de 2013 da antiga Estação Vila Matilde da CPTM, utilizada pelos trens da Linha Leste Tronco

Infelizmente, mesmo com uma linha parcialmente expressa correndo em paralelo (e em obras para ser levada até a Barra Funda), mesmo com um atendimento a outra parte da Zona Leste sendo feito pela Linha 12-Safira (que infelizmente ainda termina no Brás), mesmo com a faixa exclusiva da Radial Leste (cuja maioria dos ônibus vai até o Terminal Parque Dom Pedro II), a demanda não consegue ser atendida dignamente. O primeiro problema é a pendularidade excessiva, em que boa parte do fluxo se dá num único sentido, ou seja, no pico matinal, o pico está no sentido centro e no pico vespertino e noturno, o pico está no sentido bairro. E a pendularidade desperta (ou deveria despertar) atenção para o sério problema da centralização excessiva. Aliás, ainda que a centralização excessiva tenha se dissipado com as novas centralidades (vide Faria Lima e Marginal Pinheiros), houve um agravante, pois a distância a ser percorrida foi ampliada, não reduzida. A questão ganha tons ainda mais graves de preocupação (ou deveria ganhar) quando pensamos na população do Alto Tietê que precisa cruzar a mesma Zona Leste para trabalhar nas mesmas centralidades. O segundo problema é a própria ocupação de solo na região, predominantemente residencial e que continua sofrendo verticalização.

Em vista então da oferta de lugares estar cada vez mais aquém da demanda nas linhas da Zona Leste, o Metrô e a CPTM decidiram empenhar esforços para aumentar o número de trens que podem circular simultaneamente. Para tanto, contrataram empresas para construir mais trens, modernizar trens mais antigos e, principalmente: atualizar os sistemas de sinalização tecnologicamente, sendo adotadas as seguintes soluções:

  • Linha 3: CBTC da Alstom;
  • Linha 11: CBTC da Invensys Rail (agora Siemens);
  • Linha 12: ATO da Alstom.

A grande questão é que não se pode aumentar o número de trens infinitamente, pois ainda assim há um limite físico, simplesmente uma hora não será mais possível inserir trens para formar um carrocel com mais lugares, além de implicações de performance e aumento no tempo de viagem, dificuldade com o fluxo de usuário nas estações, mitigação de impacto cada vez mais desafiadora no caso de falhas operacionais e por ai vai.

É claro que o leitor mais esclarecido pode estar se perguntando: mas e a expansão da Linha 2-Verde até a Dutra, não vai acontecer? Vai, recebendo na Estação Vila Prudente os usuários da Linha 15-Prata, a qual por sua vez atenderá regiões como São Mateus, Sapopemba e Cidade Tiradentes, hoje dependentes de outras linhas do sistema metroferroviário ou dos ônibus da SPTrans troncalizados mal e porcamente até o Terminal Parque Dom Pedro II.

O problema é que não há como ser otimista com um cenário desses. É notório que a Linha 2-Verde vai se tornar a mais lotada do sistema, é notório também que a demanda da Linha 3-Vermelha não deve ser reduzida tão drasticamente. Objetivamente? Não acredito que vamos transportar com dignidade, todos viajarão com um índice de 8 a 11 pessoas por m², quando deveríamos estar nos esforçando para não ultrapassar 4 a 6 pessoas por m².

Legenda: Avenida Radial Leste na década de 1980. Será que o passado não nos ensinou nada?

Teremos também um corredor com padrão BRT (pode ser comparado à TransOeste do Rio de Janeiro ou às estações em superfície do Expresso Tiradentes da SPTrans) na Radial Leste e na Avenida Aricanduva, levando os usuários que optarem por tal serviço ao mesmo Terminal Parque Dom Pedro II. A SPTrans fará outros corredores também, mas pelo atendimento a centralidades de menor prestígio e menor capacidade, parece que pouco farão para reduzir o drama da Zona Leste.

Está mais do que na hora de discutirmos a importância de fortalecer ações de descentralização de São Paulo, de desenvolver a Zona Leste e até mesmo de buscar desenvolvimento no Alto Tietê. Um Plano Diretor Metropolitano orientando o desenvolvimento neste sentido poderia ser muito bem vindo, também poderiam ser bem vindos estudos de pelo menos uma linha circular metropolitana.

Precisamos agora reforçar o nosso papel e discutir cada vez mais sobre as causas dos problemas, avançando além de reclamações que não produzem o impacto desejado, exaltar as dificuldades não basta. Não mais.




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