Mais promessas impossíveis: 350 km de metrô e puxadinho para Campinas

Por Caio César | 09/09/2018 | 9 min.

Legenda: Trem da série 8500 na Estação Luz, Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí)
Com o período eleitoral cada vez mais aquecido, o noticiário parece cada vez mais inundado por propostas e falas nem sempre sensatas

Índice


Duas falas, em especial, ganharam espaço recentemente: (i) expansão da malha de metrô em 350 km, prometida por João Doria (PSDB) e; (ii) implantação mais rápida de trens regionais entre Campinas e São Paulo, prometida por Márcio França (PSB). Claro que tais promessas não poderiam passar em branco diante de um coletivo que, desde 2014, tem tratado da malha de trilhos buscando profundidade e transparência. Embarque conosco em mais uma leitura! Vamos esmiuçar essas promessas e ver quão impossíveis aparentam ser diante de fatos noticiados pela mídia hegemônica e até documentos históricos.


Expansão da malha de metrô

Tratar da malha de metrô em São Paulo sempre envolve lidar com a ambiguidade que marca a existência da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Quando um candidato ou qualquer pessoa que seja opta por ignorar os 273 km dessa malha, surgem distorções e passam a ser, imediatamente, negadas tendências e recomendações com quase 50 anos de história.

Conforme noticiado pelo Portal G1 do Grupo Globo, João Doria, recentemente prometeu uma expansão mirabolante do que parece ser especificamente a malha da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, usualmente grafado Metrô; neste artigo optou-se por adotar CMSP):

O candidato do PSDB ao governo de São Paulo, João Doria, disse nesta terça-feira (4) que pretende, se eleito, iniciar um plano de ampliação do Metrô em 350 km nos próximos 20 anos. Atualmente, a rede metroviária tem 90 km.

“Esse é um planejamento como um todo, não um planejamento apenas para quatro anos. Nós temos que pensar o sistema metropolitano nos próximos 20 anos. Metrô é como aeroporto: é sempre uma visão de longo prazo, não uma visão de curto prazo”, disse o tucano, durante visita a uma empresa de ônibus na Zona Sul da capital.

Essa situação expõe dois problemas logo de cara:

  • O excesso de otimismo do candidato, que aparenta revelar desconhecimento e/ou oportunismo sobre a realidade do estado que pretende governar;
  • A postura típica da imprensa em tratar como metrô apenas a malha da CMSP, enquanto ignora o papel da CPTM, o que produz uma distorção.

Por outro lado, se João Doria estava pensando em 350 km como a soma das duas malhas, sua fala continua esbarrando na realidade: somando as malhas da CMSP e da CPTM, temos 363,9 km. Pior: mesmo que ele tente dizer que estava se referindo a soma das malhas que atendem apenas a capital, ou seja, 220,9 km com, sendo 129,1 km linhas novas a implantar, fora as modernizações e intervenções que precisam ser feitas na malha que já existe, principalmente nos 130 km da CPTM que estão dentro da capital, seria um esforço hercúleo para conseguir implantar mais de 100 km em 4 anos, pois São Paulo jamais conseguiu fazê-lo numa gestão tucana.

Para se ter uma ideia de quão descabida foi a fala, até mesmo um “fogo amigo” entre tucanos já foi postado nas redes:

Legenda: Ex-governador Alberto Goldman critica promessa de João Doria, considerando-a mentirosa e inexequível

Uma expansão mais veloz da malha de metrô, seja pelas mãos da CPTM, seja pelas mãos da CMSP, é realmente necessária, por outro lado, a quantidade de problemas pelas quais as obras do governo estadual enfrentam são impressionantes, como foi o caso do monotrilho da Linha 15-Prata (Vila Prudente-Vila União), cuja implantação surpreendentemente não previu a existência de um córrego numa clássica avenida de fundo de vale:

Assim, mesmo a adoção de conjuntos de sistemas e tecnologias que, conforme a experiência mundial, são mais rápidos e mais baratos, em São Paulo não têm sido garantia de nenhuma das duas coisas.

E, para matar de vez o assunto, considerando apenas a malha da CMSP e ignorando o fato de que a Folha de S.Paulo não levantou que Seul aumentou sua malha fazendo algo mais ou menos parecido com o que tem sido feito com a CPTM (ver aqui, aqui, aqui), reproduzimos a seguir um infográfico com o ritmo de crescimento e comparação entre as malhas pré e pós-PSDB, elaborado em 2015:


Trem regional para Campinas

Antes de falar da promessa, é preciso recuperar qual tem sido o papel da CPTM diante dos desafios impostos pela metropolização de São Paulo. Como apontado anteriormente, existem recomendações ligadas à CPTM que são muito mais velhas do que a própria estatal, criada no início da década de 1990, isso porque a Emplasa, nos anos 1970, já sabia que as antigas ligações dos então chamados trens de subúrbio, eram incapazes de suportar a demanda crescente, exigindo refuncionalização. A refuncionalização recomendada era, nada mais, nada menos, do que a conversão das linhas em metrô, com a segregação de qualquer outro tipo de tráfego existente, como trens de carga, além disso, já se falava de intervalos na casa dos 2 e 3 minutos, patamar este ainda não atingido pela CPTM, cuja melhor oferta nos picos é de 4 minutos e apenas na Linha 11-Coral. Publicamos a seguir as páginas 17 e 18 do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI) de 1970, desenvolvido pela Emplasa:

Legenda: Páginas 17 e 18 do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI) da Grande São Paulo, publicado pela Emplasa no início da década de 1970 (toque ou clique para ampliar). O documento original pode ser acessado na Biblioteca Virtual da Emplasa, procurando no acervo do Gegran com o número de chamada G.22 22.02 01.08

As atitudes do atual governador e candidato Márcio França colidem não só frontalmente com a postura e papel da CPTM, mas também com recomendações antigas o suficiente para serem consenso dentro da máquina e de conhecimento por políticos como o próprio candidato.

Para facilitar a leitura dos pontos relevantes do plano, destacamos abaixo os seguintes fragmentos, optando por grifar as passagens consideradas de maior peso:

“Como já foi exposto, no PMDI optou-se por uma política de transportes, visando a dar a máxima prioridade aos transportes coletivos. No que concerne ao sistema ferroviário de passageiros, recomenda-se uma transformação gradativa em metrô das linhas de trens de subúrbios das ferrovias.”

(…)

“Para atender a um volume de tráfego nos trechos mais sobrecarregados, da ordem de 750 mil passageiros por dia, capacidade essa equivalente a, uma linha de metrô com trens de 2 em 2 minutos, e com 2.000 passageiros por trem, nas horas de pico, é necessário que as linhas de subúrbio das ferrovias sejam totalmente separadas das linhas de trens da carga e de passageiros de longo percurso.”

E como se não bastasse tudo isso, o documento ainda recomenda a interligação das estações Luz e Júlio Prestes, também exibindo acertada preocupação com o crescimento da demanda de passageiros:

É de se notar que a Estação da Luz terá seu movimento de passageiros extremamente aumentado com as melhorias nos serviços suburbanos e com sua ligação a linha de Metrô. Seria conveniente estudar-se a possibilidade de interligação entre as Estações Luz e Julio Prestes, transformando-se em uma única estação de passageiros de trens. Parte dessa estação seria reservada para o terminal único de passageiros de longo percurso das ferrovias.

Enquanto é inegável que os serviços de subúrbio receberam ações de modernização com vistas à sua conversão para metrô, é também inegável que esta nem sempre buscou os padrões mais elevados de serviço no que diz respeito à flexibilidade e resiliência. Faltam vias para serviços expressos, estacionamentos para injetar trens estratégicos em horários de pico, sinalização capaz de lidar uniformemente com intervalos de 2 ou 3 minutos, pátios mais bem dimensionados para comportar o aumento da frota, entre outras instalações que compõem a infraestrutura ferroviária. No entanto, mesmo num cenário tão desfavorável, Márcio França fez uma estranha visita guiada ao trecho Jundiaí-Campinas, com a empresa Rumo cedendo uma locomotiva e dois carros de passageiros.

A visita, como já era de se esperar, fez as engrenagens das redações girarem, ao que pudemos conferir algumas notícias as respeito, dentre as quais:

  1. ACidadeON Campinas, 04/09/2018: Trem Intercidades vira “puxadinho expresso” da CPTM
  2. O Estado de S.Paulo, 05/09/2018: Governo de SP quer estender CPTM até Campinas
  3. Metro Jornal Campinas, 05/09/2018: CPTM planeja ligar São Paulo a Campinas de trem

Curiosamente, a visita aconteceu poucos dias depois de uma outra declaração feita por João Doria, em 27/08/2018, conforme também noticiado pelo Portal G1:

O candidato do PSDB também garantiu que irá fazer o Trem Intercidades, projeto do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) para ligar Americana (SP) a São Paulo (SP). Segundo Doria, será feita uma Parceria Público-privada (PPP) para que não seja usado dinheiro público na implantação.

“Haverá implantação sim deste corredor ferroviário interligando Americana a São Paulo e as demais cidades da Região Metropolitana de Campinas e feito com recursos privados, não vamos utilizar dinheiro público para isso, vamos utilizar recursos privados”.

Enquanto Doria sonhava com PPPs milagrosas e improváveis, França parece ter se adiantado na corrida, no entanto, tentar sair na frente tem seu preço e quem paga por ele somos nós, contribuintes e usuários da CPTM. Para começar, a ideia já começa sendo ridicularizada por um periódico regional de Campinas, o que não acontece sem motivos. Enquanto a CPTM previa um trem regional moderno, com padrão europeu, trens-unidade (sem locomotivas, portanto) e frequência muito superior a meras quatro viagens por dia, França embarcou em dois carros de passageiros jurássicos e estimou tempos de viagem e possibilidade de coexistência de serviço que, adivinhem só?! São altamente improváveis.

Márcio França está falando em uma viagem expressa ou semi-expressa com um trem a diesel de aceleração mais lenta em relação aos trens elétricos do metropolitano da CPTM, ao passo que faz parecer que não haverá problema nenhum para quem já enfrenta superlotação e problemas recorrentes da Linha 7-Rubi. Só pode ser piada.

Como aqui nós temos um caso um pouco mais concreto, diferente da promessa vaporosa que Doria fez em relação à expansão das linhas de metrô, é muito mais fácil olharmos as especifidades: alguém poderia argumentar que a Linha 7-Rubi tem uma terceira via, que termina na Estação Pirituba, supostamente facilitando a viabilização do serviço, mas a existência de uma via auxiliar não significa que seja possível operar essa gambiarra que o ACidadeON carinhosamente chamou de “puxadinho expresso”, pois precisamos lembrar que existe a circulação de trens de carga que ainda não foi completamente segregada, para não mencionar as questões históricas de estações como Luz (vide uma antiga crítica já publicada por nós) e Palmeiras-Barra Funda.

Em suma, estamos pagando o preço por não termos dado ouvidos para aquilo que vem sendo dito por técnicos do governo há quase 50 anos. O mínimo que se espera é que os candidatos, que tentam propagar a ideia de renovação e novidade, tenham decência para reconhecer que suas promessas já custaram muito caro e que não podemos mais tolerar oportunismo e desconhecimento, assim, antes de tentar correr e tropeçar em um trem tosco para Campinas, que tal fazer o feijão com arroz, integrando as estações Luz e Júlio Prestes e melhorando a infraestrutura da Linha 7-Rubi para o metropolitano? Para quem pensava que não dava para ir além daquela tolice com táxis pagos pela CPTM, parece que dá, não é mesmo? Francamente…




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