Doria e Baldy cedem: ABC troca metrô leve por BRT duvidoso

Por Caio César | 04/07/2019 | 6 min.

Legenda: Linha 15-Prata (atualmente Vila União-Vila Prudente), trem seguindo no sentido Vila Prudente
Lobby do ônibus escreve mais uma página da triste história da mobilidade numa das parcelas mais dinâmicas da metrópole paulista. Entenda

O governo estadual, por meio do Executivo, encabeçado por João Doria (PSDB), cedeu. Cedeu e com isso também baixou o nível, não só porque falhou como poder moderador dos interesses da sociedade, mas porque se colocou à disposição do negacionismo para fazê-lo. Perde a população do Grande ABC (região da metrópole paulista oficialmente denominada Sub-região Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo), que terá de se contentar com um BRT no lugar de uma linha de metrô leve. A Linha 18-Bronze (Tamanduateí-Djalma Dutra) está oficialmente morta e enterrada.

As falas do atual secretário de transportes, Alexandre Baldy foram absolutamente lamentáveis, porque continuam alimentando a narrativa falaciosa de que é possível equiparar capacidade pagando menos, desapropriando menos e ocupando menos espaço. E mais: não satisfeito em dizer que um BRT (Bus Rapid Transit, tipo de sistema de corredores de ônibus que adota tecnológicas e paradigmas comuns em sistemas de metrô) de aproximadamente R$ 600 milhões transportará tanto quanto uma linha de metrô leve — no caso, utilizando monotrilhos — bilhões de reais mais cara, mas também oferecerá tempos de viagem idênticos.

O governo em nenhum momento apresentou estudos. Não existe estudo comparativo, oficial, oficioso ou o que quer que seja. Não existe. O governo tensionou um contrato com a iniciativa privada, que já comprometeu R$ 5 milhões para, acreditamos, favorecer interesses espúrios de outros empresários. O governo criou insatisfação e foi criticado por Vicente Abate, representante da Abifer, em workshop realizado recentemente no Instituto de Engenharia.

A indústria ferroviária nacional possui tecnologia e expertise para oferecer soluções flexíveis. Por que o governo não cogitou implantar um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, terminologia utilizada para se referir às tecnologias de bondes mais modernas) simples, mas com trens longos (de pelo menos 80 metros), dotado de priorização semafórica, sistema de pagamento embarcado (do tipo proof-of-payment, análogo ao utilizado com sucesso no Rio de Janeiro) e completa requalificação dos eixos viários, de forma a garantir não só uma via permanente de excelência, mas também tratamento urbanístico das calçadas, estações, postes, pórticos, semáforos e sinalização vertical e horizontal? Ora, o VLT funcionaria como ônibus e poderia até mesmo ter sua prioridade em regime de faixa horária, compartilhando espaço com outros veículos (incluindo ônibus de variadas tipologias) nos horários de vale, domingos e feriados. Seria, a grosso modo, um sistema em anel, comparável a um corredor de ônibus, mas com a vantagem de transportar muito mais gente por m² e garantir maior segurança na condução.

O governo poderia até mesmo ter aproveitado o ensejo do workshop citado por nós anteriormente, porque este tratava da tecnologia patenteada pela Aeromóvel, empresa ligada à Coester, que conta com dois fornecedores nacionais de material rodante (T’TRANS e Marcopolo Rail) e cadeia funcional e, alega o grupo, facilmente replicável de fornecedores de sobressalentes e serviços de manutenção. Trata-se de um sistema de APM (Automated People Mover, um tipo de transporte ferroviário automatizado de média capacidade). O argumento do secretário ligado às flutuações de custo e consumo de energia, por exemplo, seria passível de questionamento diante do aeromóvel, que de acordo com apresentação realizada na 20a Semana de Tecnologia Metroferroviária, possui relação altamente competitiva de peso morto por peso transportado, já que o sistema de propulsão não é embarcado nos veículos. A Marcopolo, multinacional do mercado de ônibus, oferece um trem em conformidade com a tecnologia da Aeromóvel para cerca de 300 pessoas, porém, os engenheiros presentes durante o evento garantem que é possível colocar em operação comercial um sistema com trens para 600 passageiros.

Aeromóvel, monotrilho ou VLT (este último em nível para redução de impactos e custos), todos possuem flagrantes vantagens em comparação com o BRT e respeitam tranquilamente as limitações geométricas e orçamentárias. O governo fugiu covardemente e irresponsavelmente de discutir alternativas com a sociedade civil e diversos segmentos empresarias. Colocou em dúvida o futuro da indústria ferroviária paulista ao encomendar trens chineses para a Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e ofereceu estimativas de custo absurdas para o monotrilho (que nos parecem superiores ao valor do km da mesma Linha 13 da CPTM, que não só é mais pesada e precisa de mais concreto, como também precisou vencer um enorme vão em desnível, adotando um suntuoso viaduto estaiado de balanços sucessivos).

Também grave é a omissão de responsabilidade: não se sabe quem deterá a responsabilidade sobre a linha. Será a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos)? Sendo a EMTU, o passageiro perde a integração física e tarifária sem cobrança de tarifa com a Linha 2-Verde (Vila Prudente-Vila Madalena) e a Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra)?

Legenda: Estação Santo André da Linha 10-Turquesa: acessibilidade ruim, elevada suscetibilidade a inundações e arquitetura frugal dos anos 1960

Não satisfeito, o Executivo paulista ainda fez mais promessas improváveis (como se já não bastassem aquelas feitas durante o período eleitoral): converter a Linha 10 para metrô e implantar em meros quatro anos a Linha 20-Rosa (Lapa-Alfonsina). Primeiramente, a Linha 10 já oferece um serviço de metrô (capenga e com inserção urbana problemática, mas oferece), a questão é que ela precisa de bilhões de dólares em investimentos, exigindo novos trens, nova sinalização e novas estações, podendo inclusive superar o montante de cerca de R$ 600 milhões que, supõe Baldy, custeará o BRT; em segundo lugar, a Linha 20-Rosa é sofisticada, previa galerias comerciais contínuas na região da Av. Faria Lima na capital paulista e dependia de expansões e modernizações na malha da CMSP (Companhia do Metropolitano de São Paulo, oficialmente abreviada como METRÔ), como a expansão da Linha 2-Verde até uma futura Estação Cerro Corá e a modernização das linhas 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) e 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e, mesmo que comece a partir do Rudge Ramos, como anunciou Doria, terá alguns quilômetros a vencer até chegar na Estação São Judas da Linha 1-Azul (Jabaquara-Tucuruvi), a primeira conexão com a malha de trilhos (oficialmente seria a segunda, até o governo sepultar a Linha 18-Bronze).

Finalizamos dizendo que a multa envolvendo o consórcio da PPP da Linha 18 original pode ultrapassar R$ 200 milhões (ou seja, aproximadamente 30% do valor previsto para a ligação via BRT), no entanto, seríamos ingênuos se não considerássemos o teor da ameaça feita pelo vice-governador, que crê até mesmo na possibilidade que o Estado nem precise ressarcir o consórcio lesado pela decisão de optar pela adoção do BRT. Das duas uma: ou o vice-governador está dizendo nas entrelinhas que as empresas ligadas ao consórcio vão ganhar com aditivos ilegais (superfaturados e/ou desnecessários) ou que as empresas vão ganhar alguma licitação no futuro devido a direcionamento (edital e condições desenhadas especificamente para elevar a probabilidade de que o vencedor seja aquele previsto). A VemABC, empresa que operaria a Linha 18-Bronze original em regime de PPP (parceria público-privada) é um consórcio formado pelas empresas Cowan, Encalso e Primav.


Colaborações: Ivo Suares e Lucian De Paula



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