Unidade de negócio!? Não, o Expresso Turístico deveria ser extinto

Por Caio César | 26/06/2022 | 9 min.

Legenda: Expresso Turístico na Estação Estudantes
Foco deveria estar no Trem Metropolitano e desafios ligados à Macrometrópole Paulista. Companhia deveria por fim a interferências desnecessárias

Parece que as prioridades andam um tanto estranhas na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos): enquanto pairam incertezas em torno da ideia de estabelecer ligações ferroviárias de caráter regional, utilizando trens confortáveis entre a capital e municípios como Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, a estatal decidiu que vai criar uma “unidade de negócio” em torno de seu “ferrorama turístico” (aquele que utiliza uma locomotiva ultrapassada de manutenção em conjunto com carros de passageiros também de concepção superada).

Como já opinamos no passado, o Expresso Turístico é um serviço cuja sobrevivência servirá de termômetro para a modernização das linhas da CPTM e o desenvolvimento de suas cercanias: quanto maior for a pressão em termos de demanda, menor será a viabilidade de operar qualquer serviço estranho à dinâmica do Trem Metropolitano, que é, a despeito da confusão e ambiguidade tão presentes na cobertura jornalística, predominantemente metroviária. Em outras palavras, o futuro abandono do Expresso Turístico seria a consequência natural de um programa bem sucedido de modernização da CPTM.

Série especial Recentemente participei de uma discussão no fórum SkyscraperCity que basicamente tratava do potencial de exploração de serviços ferroviários turísticos na malha da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Devido à extensão da discussão, decidi transformá-la numa pequena série de artigos, incorporando a visão das discussões internas do Coletivo. Clique aqui para acessar todos os artigos já publicados. A “nova” litorina Atualmente, o Expresso Turístico da CPTM utiliza locomotivas fabricadas há décadas e carros de passageiros tão ou mais antigos, que foram restaurados por uma organização não governamental.

Infelizmente, a criação de uma unidade de negócios dedicada a um serviço turístico duvidoso, revela que a CPTM, além de não parecer compreender muito bem o próprio papel e continuar flertando com estratégias de desestatização (que parecem idealizadas por pessoas que não utilizam nossos transportes públicos), continua desperdiçando recursos com instrumentos de propaganda que não contribuem para o aumento da qualidade de vida da população em geral.

O melhor transporte turístico é o transporte público de caráter regular. A verdade é que a CPTM nunca foi capaz de compreender a escala metropolitana ou o tipo de transporte que opera, desenvolvendo planos de modernização que são reféns do status quo. A empresa tem em seu nome e principal serviço a forma não contraída de metrô, mas a despeito do aumento vertiginoso da oferta de lugares, ainda enxerga a ferrovia como uma espécie de folha em branco, como se boa parte da raison d'être não se encontrasse dada pela dinâmica estabelecida entre os trilhos e os territórios atendidos ao longo de mais de 150 anos.

Um serviço como o Expresso Turístico normaliza a ideia de que o Trem Metropolitano pode tolerar interferências, quando o último plano de diretrizes, construído pela Fupam (Fundação para a Pesquisa em Arquitetura e Meio Ambiente) há cerca de 10 anos, caminhava numa direção completamente oposta (e mais realista), chegando a contemplar até o enterramento do eixo Lapa-Brás.

Contextualização Há alguns dias o COMMU publicou um artigo de minha autoria intitulado “As entrelinhas da preservação do Minhocão”, o qual foi gentilmente compartilhado pelo senhor Alexandre A. Moreira num grupo público do Facebook chamado “SP sem Minhocão!”, gerando uma reação por parte do senhor João Baptista Lago, o qual declara em seu perfil naquela mesma rede social ser fotógrafo, dirigir uma organização da sociedade civil, ser morador do bairro nobre de Santa Cecília e contar com uma formação acadêmica em universidades tradicionais, incluindo uma passagem pela França.

Não estamos dizendo que o Trem Metropolitano representa algum tipo de serviço imutável, sacramentado pelo mau uso e ocupação do solo que tanto marca nossas cidades, uma vez que tanto o caráter do território, quanto o caráter dos serviços ferroviários, podem ser transformados, mas sim que existe um conflito difícil de ser evitado e que as estratégias da CPTM deveriam observar melhor o tipo de atendimento que tem sido prestado pelo Trem Metropolitano, compreendendo que a tendência é a de uma operação quase ininterrupta, aos moldes daquela que já ocorre nas linhas sob responsabilidade do METRÔ (Companhia do Metropolitano de São Paulo).

Ninguém normalizaria uma locomotiva a diesel impedindo a utilização de uma das plataformas da Estação Sé em pleno sábado, estimulando choques desnecessários entre os fluxos de embarque e desembarque da Linha 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda), no entanto, é exatamente o que ocorre quando o Expresso Turístico opera entre Mogi das Cruzes e São Paulo, interferindo na Linha 11-Coral (Luz-Estudantes).

Não bastasse a interferência do Expresso Turístico, é oportuno salientar que, que a partir da gestão de João Doria (PSDB), a Linha 11 também passou a ser prejudicada por um falso trem expresso entre São Paulo e o aeroporto de Guarulhos, que circula praticamente vazio na maior parte do tempo (ou, como é comum se dizer no meio, “anda batendo lata”).

O atual governo estadual tem falhado na tentativa de tentar tornar a Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos) mais atrativa. Em que pese as limitações orçamentárias, os esforços envidados até o presente momento parecem ter sido apostas, no mínimo, duvidosas. A ligação entre a capital e o aeroporto internacional foi implantada no primeiro quadrimestre de 2018. Não há como o governo imprimir uma marca positiva diante das carências históricas de infraestrutura que tem falhado em sanar.

A ideia de estimular o turismo valorizando a marca da CPTM não é ruim, porém, para além de um saudosismo cego, que coexiste lado a lado com trens superlotados, negando a dura realidade da maioria, só sobra a ideia de uma viagem mais confortável entre diferentes municípios, na qual ninguém viaja em pé. Ao insistir no Expresso Turístico e no Expresso Aeroporto, o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), continua o equívoco político de seus antecessores.

Considerando que o trem regional (também chamado de trem intercidades ou TIC) pensado pela CPTM é, no mínimo, excessivamente otimista e basicamente um novo instrumento para concessão de mais linhas da empresa, seria muito mais racional parar com a teimosia em torno de serviços incompatíveis com uma infraestrutura centenária e repleta de limitações, arriscando a integridade do Trem Metropolitano e da própria CPTM e seus funcionários, que estão sendo empurrados para a antessala da própria extinção.

Viajar sentado entre Mogi das Cruzes e São Paulo ou entre Jundiaí e São Paulo, utilizando trens no lugar de ônibus rodoviários, é, definitivamente, uma ideia maravilhosa. O que deve ser pensado é: como oferecemos viagens mais confortáveis sem prejudicar quem precisa de trens frequentes, altamente confiáveis e com tarifa módica?

Na nossa visão, só resta a possibilidade de repensar o próprio Trem Metropolitano, o que exige não só parar de oferecer serviços turísticos duvidosos, mas também paralisar qualquer proposta de trem intercidades que não utilize uma infraestrutura nova e de elevado desempenho, com velocidades na casa dos 200 km/h.

Resta-nos, portanto, a nossa famigerada solução de conciliação entre as escalas regional e metropolitana, que acrescenta funcionalidades no Trem Metropolitano, mas não amplia interferências. E a ideia é bastante simples: voltar a operar com trens de 12 carros, mantendo 4 carros (2 em cada extremidade) para viajar com maior conforto.

Legenda: Infográfico descrevendo o esquema de operação proposto, similar ao utilizado no artigo “Trem intercidades ignorar Mogi das Cruzes é apenas a ponta do iceberg”. Meramente ilustrativo, não correspondendo rigorosamente à disposição de portas e janelas

Modéstia à parte, consideramos a ideia muito vantajosa, embora ela escancare uma certa “fraude” em torno da atual narrativa do TIC:

  • Protege o Trem Metropolitano, seu legado e seus atendimentos;
  • Atende a escala regional dentro das limitações de uma infraestrutura centenária;
  • Possibilita ampliar a segregação ao longo dos anos sem comprometer a oferta inicial de lugares;
  • Com a ampliação gradativa da segregação, pode dar origem a serviços expressos em toda a malha, no lugar de serviços expressos isolados;
  • Reduz a necessidade de adquirir material rodante novo, permitindo o reaproveitamento de todo o material rodante do Trem Metropolitano;
  • Oferece uma alternativa às linhas seletivas da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos);
  • Fortalece a noção de Macrometrópole Paulista iniciada pela extinta Emplasa (Empresa de Planejamento Metropolitano).

Para além das vantagens acima, um outro pilar importante da solução é a eliminação da ambiguidade entre metrô e trem metropolitano, iniciando um esforço secretarial de hierarquização do transporte metroferroviário. A CPTM passa a operar um serviço de “macrô”, em alusão ao atendimento macrometropolitano, enquanto o Metrô segue operando seu serviço de metrô em direção à escala metropolitana (algo que deve acontecer quando as linhas avançarem para além dos limites da capital paulista, mirando em municípios como Taboão da Serra e São Bernardo do Campo).

Justificativa Considerando as últimas discussões que realizamos internamente a respeito do transporte sob demanda, uma das possibilidades levantadas é a de que o modelo do fretamento (quando pessoas ou grupos de pessoas contratam um ônibus para se deslocarem entre pelo menos dois pontos, a partir de necessidades em comum) possui o espaço e a força que conhecemos, sendo onipresente na capital paulista, devido à situação da malha de transporte sobre trilhos.

E, o mais importante: a ideia de um macrô não elimina a necessidade de trens intercidades, que podem ser explorados utilizando o estado da arte em tecnologia ferroviária, confrontando o rodoviarismo impulsionado pelas principais rodovias do estado, muitas delas construídas e modernizadas ao longo das últimas décadas, dissociadas do Brasil imperial e figuras como Dom Pedro II e Barão de Mauá.

Assim, a seguinte hierarquia poderia ser adotada:

  1. Escala local: ônibus municipais (estes obviamente fora da responsabilidade do estado);
  2. Escala local-metropolitana: ônibus intermunicipais;
  3. Escala metropolitana: metrô;
  4. Escala metropolitana-macrometropolitana: macrô;
  5. Escala macrometropolitana-regional: trem intercidades.

E o melhor: as estratégias de fomento ao turismo poderiam ser estimuladas em virtualmente qualquer nível da escala, reduzindo a profusão de serviços conflitantes, que hoje surgem em meio à ambiguidade e incerteza, num cenário em que a CPTM tem perdido recursos.

Finalmente, o êxito do turismo em municípios como Mogi das Cruzes depende, como já opinamos no passado, de obras complexas de expansão e melhoria, que poderia envolver tram-trains (um tipo de bonde que incorpora algumas características de trens convencionais, facilitando, por exemplo, a operação entre Cezar de Souza, Sabaúna, Luís Carlos e Guararema, cortando um tecido pouco ocupado e ambientalmente delicado, com menor potencial de demanda, mas, ainda assim, suficientemente relevante), similarmente, o turismo em municípios como Jundiaí depende de maior capilaridade, oferecendo estações que atendam pontos de interesse como a área central da cidade, o Jardim Botânico, a unidade jundiaiense do SESC e o Maxi Shopping.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus