Por Caio César | 08/06/2025 | 3 min.

Em uma recente entrega algorítmica do Instagram, pude apreciar mais um exemplo de apelo problemático em torno da preservação de conjuntos de casas em áreas centrais extremamente bem servidas de infraestrutura. Confesso que o caso não é dos piores, como perfeitamente sintetizou Tiago de Thuin ao apreciar meu compartilhamento em nosso grupo no Telegram: “essa rua merece mais tombamento do que a média que a gente vê por aqui, mas ainda não merece”.
Embora eu compreenda o tom e o caráter emocional contidos no texto e nas fotografias, há que se pontuar alguns aspectos sobre os sobrados, mesmo arriscando colecionar mais um inimigo:
- A proximidade com o Parque do Ibirapuera e a morfologia do entorno não são problematizadas, sendo que morar próximo daquele que parece ser o parque-símbolo da capital, é um exercício para poucos e profundos bolsos;
- Também é problemático duvidar da existência de uma rua de casas, pois temos milhares delas em São Paulo e, subjetivamente, virtualmente todas elas ou parte delas, poderiam ser classificadas como “charmosas, raras e únicas”;
- O autor omite que o parecer do órgão de preservação envolvido considerou que não havia singularidade e o conjunto tinha passado por transformações demais, processo este que começou em 2015;
- Em nenhum momento, o autor revela que as casas estão a poucos metros de duas estações de uma das mais novas linhas de metrô da cidade (AACD·Servidor e Hospital São Paulo), o que talvez tenha contribuído para estimular comentários com teor rodoviarista, muito preocupados com a capacidade viária e o fluxo de entrada e saída de automóveis;
- A demolição não começou imediatamente e levou mais alguns anos para acontecer, fato que pode ser constatado via Google Street View.
A ideia de perda histórica é, portanto, muito questionável e, mais ainda, passível de crítica a partir de um olhar que não se limite à miopia da quadra. A insistência na construção de uma história sem contradições, sem complexidades e, sobretudo, sem violências, distorce o passado e, ao contrário do aludido nos poucos parágrafos escritos para a claque das redes sociais, não contribui para uma cidade “mais humana, plural e com memória”. Memória de quem, de uma minoria branca? Plural para quem, descartadas relações de consumo estético?
Depois de mais uma década falando de trens marginalizados sem conquistar o famigerado “sonho da casa própria”, estou farto de ver, todos os dias, a repetição do mesmo filme: gente reacionária que acha que supervaloriza casinhas bonitinhas, romantiza a paisagem e, com ou sem consciência, defende uma cidade com morfologias de baixa densidade e, portanto, baixa capacidade de acolhimento de moradores, extremamente cara e com transporte coletivo de viabilidade duvidosa. A memória de São Paulo não pode ser reduzida a um “apartheid sobradista” adoçado pela estética.
O debate continua refém de preservacionismos duvidosos e caçadores de falsos oásis, enquanto políticas tributárias, tais como impostos progressivos, penalizando propriedades ociosas para fins especulativos, seguem no limbo, para não falar da situação escandalosa do transporte sobre trilhos em meio às pretensões privatizantes do atual governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Francamente, parece que tem mais gente querendo “micro-feudos” na forma de condomínios fechados com padrões construtivos conservadores e colonialistas, mas que não está sabendo pedir.
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