Correria e empurra-empurra no embarque

Por Caio César | 07/03/2015 | 4 min.

Legenda: Trem da Linha 11-Coral parte da Estação Dom Bosco superlotado no sentido Guaianazes (por volta das 18h)
O embarque tumultuado é apenas um dos vários sintomas de uma rede pequena, insuficiente, aquém das necessidades de São Paulo

No começo de fevereiro um vídeo de um sistema de metrô venezuelano (provavelmente de Caracas) ganhou notoriedade, pois foi compartilhado por um humorista (veja aqui), com milhares e milhares de interações. Enquanto escrevemos, comentários, curtidas e compartilhamentos são feitos. Aparentemente o vídeo foi originalmente compartilhado há dois anos atrás, em um site de humor.

As imagens não representam um sistema do qual temos vivência para falar, mas alguns comentários fazem menção a São Paulo e certas estações bem conhecidas, como a Estação Brás. Ainda que o mau comportamento no embarque seja notável em várias das centenas de estações que compõem a rede metropolitana de transporte (só na CPTM são 92 estações), a disputa por lugares não chega a motivar certos comportamentos observados no vídeo por aqui, como repetidos saltos sobre os assentos, inclusive quando alguém havia se sentado.

É importante mencionar que a existência de um problema cultural, das pessoas serem mais ou menos educadas, entre outros elementos, não pode ser descartado, entretanto, como o próprio vídeo vindo da Venezuela mostra, dada uma alta demanda de passageiros, as pessoas acabam por agir de maneira “pouco delicada” e isso se repete no mundo todo. Fazendo uma brincadeira, é como aprendemos nas aulas de física: em vista das “condições normais de temperatura e pressão” as pessoas tendem a agir do mesmo modo. Quando a temperatura e a pressão aumentam por conta da lotação, temos cenas como no vídeo acima… nós do COMMU consideramos importante lembrar que há fatores que que estão ligados a elementos estruturais, não só da mobilidade, mas do próprio tecido urbano atendido pelas linhas.

Legenda: Mesmo no fim do horário de pico, o embarque está longe de ser agradável

Na CPTM, a correria no embarque das linhas ex-CBTU é notável, com comportamento aparentemente pior do que as linhas ex-Fepasa, mas não vemos passageiros pulando. Mesmo na Linha 12-Safira, outrora considerada na década de 90 a pior da Região Metropolitana de São Paulo, não se chega a tal requinte; na Linha 3-Vermelha do Metrô, atualmente a mais lotada do sistema, também é fácil observar correria nas estações terminais, como Corinthians-Itaquera e Palmeiras-Barra Funda.

Enquanto nós preferirmos, aos risos e gargalhadas, comuns nos embarques tumultuados, se contentar com uma disputa perigosa e grosseira de lugares, não atacaremos em profundidade as raízes do problema.


O problema do embarque ruim, porém, é inegável em São Paulo, inclusive com registros de acidentes no mínimo preocupantes


O embarque tumultuado é apenas um dos vários sintomas de uma rede pequena, insuficiente, aquém das necessidades de São Paulo.

Muita gente mora em periferias inchadas, tendo de cruzar distâncias consideráveis, de 20, 30, 40 km, para chegar ao trabalho. É uma situação de mobilidade cara e ineficiente. Resolvê-la vai envolver esforços para a descentralização da metrópole e investimento massivo em sistemas expressos. Se começasse agora, levaria décadas para uma mudança substancial acontecer. Para garantir um ritmo de expansão menos penoso, é preciso lutar por uma rede que se expanda em elevado e superfície, pois o espaço já existe e está subutilizado: o automóvel exige muito espaço e nos beneficia muito pouco. Se conseguíssemos pegar um pouco do espaço de volta, nossa rede de transporte de alta e média capacidade aumentaria consideravelmente.

Em um cenário no qual centenas de milhares percorrem distâncias de 30 km pra mais em trens superlotados, com 8 passageiros ou mais por m² dentro, a disputa por um lugar sentado não é surpreendente. As pessoas acordam muito cedo e querem completar a noite de sono dentro do trem, fora a questão do longo deslocamento já mencionada, geralmente envolvendo uma ou mais transferências, nas quais a viagem ocorre em pé.

Quando olhar para avenidas largas, tente imaginar sistemas de metrô, bondes (VLTs) ou ônibus rápidos (BRTs) ocupando parte do espaço e reflita sobre quem pode fazer mais por quem vive em São Paulo. Que tal um VLT na 23 de Maio? Ou então, o que acha de um trem expresso na Marginal Tietê, ligando Guarulhos a Osasco?




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