Zona Leste: até quando presa numa camisa de força?

Por Caio César | 22/11/2017 | 4 min.

Legenda: Estação Carrão às 17h51, 30/08/2017
Após mais um feriado prolongado, impulsionado pelo Dia da Consciência Negra, a rotina volta com a força habitual na Zona Leste da capital. E com a rotina, voltam também os problemas recorrentes, que inspiraram nova reflexão por parte do COMMU

Quando dialogamos com certas parcelas do campo progressista, uma das maiores dificuldades é explicar que a luta por mais infraestrutura de transporte não se trata de “mais do mesmo”, como já nos foi dito por uma ciclo-ativista. É óbvio que a Zona Leste precisa de políticas e ações de desenvolvimento, que elevem o número de postos de trabalho e permitam que a economia local seja mais dinâmica, mas será correto julgar que a infraestrutura atual é suficiente?

Por volta das 18h40 de hoje, terça-feira, 21/11/2017, o cenário na Estação Anhangabaú da Linha 3-Vermelha (Itaquera-Barra Funda) não era dos mais otimistas. A alternativa oferecida pelo sistema de ônibus, basicamente sinônimo da Linha 4310–10 (Term. Pq. Dom Pedro II-E. T. Itaquera), se mostrou altamente insatisfatória devido ao sistema viário na região central: ainda no Parque Dom Pedro II, o ônibus enfrentou dificuldades, precisando de 30 minutos para percorrer a distância compreendida entre o terminal até o início da Radial Leste.

Legenda: Passageiros fazem fila para entrar na Estação Anhangabaú, no Centro de São Paulo

Diferente do que pode parecer a primeira vista, não se tratava do famigerado deslocamento trabalho→casa, tão comum no final da tarde e associado fortemente com a Zona Leste. O motivador? Realizar uma prova no campus da Universidade Cidade São Paulo, privada e localizada ao norte da Estação Carrão. Conforme a tese de Taísa da Costa Endrigue, intitulada “Tatuapé: a valorização imobiliária e a verticalização residencial no processo de diferenciação sócio-espacial”, o campus foi inaugurado em 1992, sendo oportuna a reprodução de um fragmento da página 113:

Em 1992, o Express Shopping, o primeiro da região, também localizado Rua Serra de Bragança passou a ocupar o espaço onde antes funcionava a Tecelagem Polifinil. Também em 1992 foi criada a UNICID, a partir da antiga Faculdades da Zona Leste (próxima à estação Carrão do metrô). Alguns anos depois, em 1995, ocorre a inauguração do Shopping Center Plaza Chic, na parte baixa do Tatuapé.

Em 1992, como é de se imaginar, ainda não existia Prouni, vigorando apenas iniciativas creditícias por parte do Governo Federal, as quais foram ampliadas em 2010, cinco anos depois da criação do Prouni.

Pois bem, considero uma suposição segura assumir que a Unicid foi beneficiada pelos dois programas acima citados, contudo, ainda que desde sua inauguração até a data de publicação deste artigo a região tenha recebido melhorias em infraestrutura, tais como:

  • Inauguração do Expresso Leste (Luz-Guaianazes);
  • Dinamização da Linha 12-Safira (Brás-Calmon Viana), cujo último fruto foi a recente reinauguração da Estação Engenheiro Goulart;
  • Melhorias no sistema de ônibus, além de melhorias na própria Linha 3-Vermelha; e
  • Finalmente, aumento do dinamismo do Tatuapé, que ganhou poder de atração.

A região foi suficientemente dotada de infraestrutura, se é que é possível? Gargalos históricos foram eliminados, como é o caso do judiadíssimo Parque Dom Pedro II? A resposta parece ser um sonoro não, para os dois casos, reforçando o velho desafio entre expandir a malha e continuar a requalificação do Trem Metropolitano da CPTM e os investimentos nas linhas existentes da malha metroferroviária. E pior ainda, a discussão integrada de um modelo de cidade e de metrópole, não está sendo feita. Não bastasse o estigma de ser um populoso dormitório, a Zona Leste não tem conseguido chamar atenção para as mudanças das últimas décadas, suscitando reflexões entre a conexão da região com outras, inclusive motivando viagens que na década de 1980, quando a Linha 3-Vermelha ainda era uma novidade, provavelmente não existiam.

Além do fluxo pendular que domina o imaginário popular, é preciso pensar nos desafios associados à retenção da população na região, que será acompanhado pelo desafio de comportar novos fluxos de pessoas interessadas em frequentar bares, centros comerciais, restaurantes e universidades, seja na forma de clientes, seja na forma de empregados.

Fica aqui uma brincadeira e provocação: lembram do ciclo-ativista mencionado no início do texto? Termino dizendo que, quando se mora no mais no “mais”, é fácil falar, já quando se mora no “mesmo”, os problemas se repetem diariamente e mesmo assim é uma epopeia conseguir chamar atenção para alguns deles. E assim a Zona Leste segue presa numa camisa de força, criando uma sinuca de bico entre moradores e não-moradores.


Colaborações: Diego Vieira (fundamental para fornecer o relato e iniciar mais uma conversa que se transformou em artigo)



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