Yellow em São Paulo

Por Lucian De Paula | 03/08/2018 | 12 min.

As novas bicicletas compartilhadas e sem estação

Dia 31 de julho de 2018, não estava muito empolgado. Sabia que pela regulamentação da Prefeitura de São Paulo, os novos sistemas de compartilhamento de bicicletas estavam para chegar. Foi anunciado que as novas licenças das OTTCs (Operadoras de Tecnologia e Transporte Credenciadas) dockless passariam a valer em agosto, aparentemente.

1° de agosto, ainda não muito empolgado. Parece que seriam 3 empresas que iriam lançar seus serviços. As bicicletas sem estação podem ser estacionadas em qualquer lugar da cidade. O mapa do aplicativo te indica onde está a mais próxima, você vai até ela, destrava e paga de acordo com o tempo que usar. Muita gente reclamando da Yellow porque todo mundo achou que ia ser lançado no dia 1°, mas na verdade o início das operações ficou para o dia 2 de agosto.

2 de agosto, 3 horas da manhã. Eu acho que eu só não tinha pensado muito a respeito do assunto, porque agora eu definitivamente estou empolgado. Baixei o aplicativo da Yellow e criei meu cadastro em uns 30 segundos. “Será que já tem alguma bicicleta por perto? É estranho se eu sair agora na rua pra tentar dar uma volta?” eu me pergunto. Olho no mapa e, infelizmente, não tem nenhuma bicicleta perto do metrô Santa Cruz ainda. Quem sabe se a gente já tivesse a ciclovia da Domingos de Morais que foi prometida pela prefeitura em março , o bairro tivesse ganhado várias bicicletas na distribuição inicial e eu poderia experimentar ir para o trabalho com uma delas. Mas não foi dessa vez. De qualquer forma, 3 da manhã, melhor dormir.

2 de agosto, manhã já com sol. Vou para o trabalho com a minha bicicleta de sempre, olho o aplicativo e vejo que não tem bicicletas nas minhas redondezas. Paciência, talvez quando o sistema emplacar eu dê uma olhada — se lembrar. Bicicletas compartilhadas tem que ser convenientes, ou não agregam usuários. Na hora do almoço deixo minha bicicleta para a revisão semestral, trabalho, mobilidade, urbanismo, hora de ir embora. Epa, bike na revisão, quer dizer que eu vou ter que andar pra casa? Que preguiça. Talvez… se eu olhar o app mais uma vez…?

Legenda: Três bicicletas para um bairro que atrai mais de 100.000 viagens por dia é triste

Obrigado, Santa Madonna de Ghisallo, padroeira da bicicletinha! No trajeto a pé, o ícone amarelo indica uma nova bicicleta disponível. Durante o dia alguém usou, terminou sua viagem em um prédio bem na minha rota. Agora vai ser a minha vez de experimentar o brinquedo novo.

A interface do aplicativo é incrivelmente simples e sem mistérios. É isso que se vê na imagem: um mapa com as bicicletas indicadas. O mapa tem algumas dificuldades em decidir quais bicicletas mostrar, ele nunca dá o ícone de todas, dependendo da escala de zoom que você utiliza, mas mostra sempre as bicicletas mais próximas. A bússula centraliza o mapa, enquanto a chave inglesa e a espátula (eu sei que era pra ser uma chave de fenda mas, bem, olha lá e você vai ver que é uma espátula) te dão a tela de manutenção para você reportar problemas de danos na bike, problemas mecânicos, estacionamento irregular, etc. O ícone com o código de barras e “Iniciar Viagem” usa a sua câmera para ler o QR Code na bicicleta. Se o QR Code estiver ilegível, cada bicicleta tem um número de série, você pode digitar esse número e liberar a bike. As coisas são bem intuitivas. Exceto pelo motivo que levou o designer do aplicativo a colocar um símbolo de código de barras para ativar a função que lê QR Code, isso não tem lógica nem explicação mesmo.

Legenda: Bicicleta estacionada na rua corretamente, ao contrário do lixo que foi colocado na rua de forma irregular

O GPS é bem preciso. Seguindo o caminho marcado, encontro a bicicleta bem onde deveria estar. Como a rua não tem a calçada mais larga da cidade, mas é um trecho onde é permitido estacionar, a bicicleta foi posicionada no leito carroçável mesmo, na faixa de estacionamento e colocada perpendicular à calçada, igual se estaciona moto. Pena que eu esqueci que tem que pagar e não carreguei créditos.

Legenda: A tela de carregamento, por algum motivo, não permite recarga de um número quebrado de créditos

O processo de carregar créditos levou 2 minutos, e a maior parte do tempo foi culpa minha, procurando pela carteira perdida na mochila. É ridiculamente rápido escolher o valor a pagar, colocar um cartão de crédito, confirmar e instantaneamente ver o aplicativo atualizar para me dizer que eu agora possuo R$5,00 de crédito e já posso usá-los. Eu teria levado 20 minutos se tivesse parado para ler todos os termos de serviço, no entanto. Tem muita informação, algumas coisas jurídicas, proteção de dados, etc. Na hora recebi também um e-mail confirmando o valor pago e que estava com os créditos na conta.

No momento só é possível pagar uma quantia fixa em reais que fica na sua “carteira”. Dentro da parte do contrato, há uma dica de como serão os pagamentos futuros. A tabela resumida de preço indica que se paga R$1 para cada 15 minutos com a bicicleta. Dentro do contrato, há a indicação de que se gasta “1 Crédito Yellow” para cada 15 minutos com a bicicleta, e que atualmente cada Crédito Yellow = R$1. Além dos planos semanais e temporais, fica a impressão de que, no futuro, carregar grandes quantias de dinheiro de uma vez renderão um bônus ao usuário, algo como carregar R$5 = 5 créditos, mas carregar R$100 = 130 créditos, por exemplo. São planos para o futuro, assim como patinete que aparece na tabela de preços, é um patinete elétrico que ainda será implantado, parecido com os que tomaram conta de São Francisco e outras cidades americanas nos últimos meses.

Legenda: Tranca só na roda traseira. Se manusear muito a bicicleta, um alarme sonoro dispara

Basta escanear o QR Code, que a trava na roda traseira desarma automaticamente. No celular a tela indica viagem inicializada, e um um relógio começa a marcar o tempo. Afinal, é cobrado 1 real a cada 15 minutos com a bicicleta.

A volta para casa foi tranquilíssima. O selim tem uma altura ajustável incrivelmente fácil de travar e destravar. Ajeitei a minha altura com facilidade, embora tenha ouvido reclamações de que não sobe tanto quanto algumas pessoas mais altas gostariam. Por algum motivo o remanescente do cabo do freio (visível na foto acima) não tinha sido dobrado, então ele raspava na pedalada da perna esquerda. Um detalhe meio insignificante, mas não dá para não reparar isso numa bicicleta nova. E se eu não estivesse de calças jeans, mas fosse um usuário de bermuda ou de meia-calça, provavelmente o cabo seria um verdadeiro estorvo.

Legenda: Componentes simples para reduzir a manutenção e possíveis problemas durante o uso

A bicicleta é single-speed e conta com um protetor de corrente para não sujar a perna de graxa. Achei excelente a relação de marchas, me dando a velocidade que eu queria para não encanar com os carros na rua percorrida, mas leve o suficiente para que as subidas não fossem um grande sacrifício. A marcha ainda não era tão leve quanto eu estou acostumado em subidas (tenho preguiça, me julgue) mas não tem milagre para ser feito só com uma marcha. Uma bicicleta bem ajustada e com a graxa em dia deixa todas as subidas mais suaves. Felizmente, este era o caso aqui.

Legenda: Recomendo pensar antes como fixar sua mochila na bicicleta, se ela for volumosa há possibilidade de cair

Uma coisa que me deu aflição foi a cestinha. Muito boa, apesar de que poderia ter a borda um pouco mais alta, foi possível amarrar minha mochila ali e seguir viagem com tranquilidade. Talvez seja nóia minha, mas a cesta é presa no quadro, não no garfo, o que me dava a impressão de que minha mochila ia cair toda vez que virava o guidão. Felizmente não passou de impressão, e cheguei com tudo são, salvo e ainda amarrado no meu destino.

Legenda: Até olhou para a foto, vaidosa

A campainha é de girar, na manopla direita, e tem um volume bom e alto, que gostei. Na manopla esquerda há um pequeno suporte que eu não consegui identificar para que servia. Buscando as fotos de divulgação, confirmei a suspeita: era o suporte onde deveria ter um espelhinho. As 20:00 do 1° dia de serviço, eu tive a honra de pegar uma bicicleta recém-vandalizada. Viva o paulistano.

Legenda: Foi barato e foi divertido, concordo

A bicicleta vem com um pé de apoio, que não parece muito resistente mas por enquanto serve. Necessário, já que as bicicletas não tem estação e podem ser estacionadas em qualquer lugar onde você poderia estacionar uma bicicleta normalmente. Nas lista de intruções da Yellow há toda uma lista de recomendações, sendo que a maior parte deveria já estar integrada ao bom senso dos usuários. Não estacionar a bicicleta na frente de rampas de deficientes, bloqueando entradas e acessos, bloqueando a calçada e a circulação de pedestres, em locais onde é proibido estacionar, etc. Eles pedem que as bicicletas sejam estacionadas nas vagas de rua, perpendicular à calçada, da mesma forma que se estaciona motos, ou em paraciclos, zonas delimitadas , na faixa de serviços da calçada (a faixa mais próxima da sarjeta, onde não há circulação e se posicionam postes, jardineiras, latas de lixo,sinalização, etc.) se houver espaço, e pedem também para que, se você ver outra bicicleta da Yellow quando for estacionar a que está devolvendo, que você estacione a Yellow próxima do conjunto.

Legenda: Na calçada, sem interferir com o fluxo dos pedestres

Viagem finalizada, larguei a bicicleta na Domingos de Morais e andei as 3 quadras até em casa. A bicicleta dockless pode ser largada em qualquer lugar, mas fiquei com dó de quem fosse pegar a bicicleta perto de casa e tivesse que encarar a subida de volta para o eixo divisor de águas da Vergueiro/Domingos/Jabaquara. Olhando a calçada ampla da Domingos, um paraciclo, não tive dúvidas. Estacionei a bicicleta na faixa de serviço, perpendicular ao sentido da calçada, na linha da banca de jornal para não impedir a circulação de ninguém. O paraciclo deixei para quem precisa amarrar bicicleta própria.

Legenda: Mesmo pedalando sem pressa, as subidas são bem menos cansativas do que andando na mesma velocidade

Ao estacionar a bicicleta você fecha manualmente o cadeado da roda traseira, e a bicicleta solta um bipe alto para sinalizar que reconheceu o travamento. Olhando no aplicativo, na mesma hora apareceu a tela confirmando que a viagem foi finalizada, e um resumo da viagem. Como foram menos de 15 minutos, foi cobrado apenas 1 real. Registrando o local onde você pegou e onde você devolveu a bicicleta, aos poucos vamos construindo uma nuvem de dados bem interessante. O tempo, a distância e o custo total ficam registrados. Entrando no menu é possível conferir “Minhas Viagens” e resgatar esse histórico.

Legenda: Av. Domingos de Morais, próximo à Borges de Lagoa

Depois de dar tchau para a bicicleta chegar em casa foi super fácil. O resto do caminho foi pensando quantas bicicletas mais teria na Domingos de Morais se aquela ciclovia na frente do Arquidiocesano já tivesse sido implementada. Assim a minha Yellow não ficaria tão solitária. O pensamento não durou muito. Chegando em casa, resolvi abrir o aplicativo para ver se ela ainda estava lá, e tinha sumido. Alguém já tinha pego a bicicleta que eu tinha acabado de devolver. Uau, fiquei surpreso com o quão rápido isso aconteceu. Uns 15 minutos depois chequei o aplicativo de novo, e havia uma bicicleta disponível próxima ao metrô Vila Mariana onde antes não havia nenhuma. Fácil deduzir onde foi parar a bicicleta que eu utilizei. Para quem usou também foi um ótimo negócio, afinal gastou 1 real em bicicleta ao invés de 4 reais em ônibus ou metrô, e levou 5 minutos para percorrer um trajeto que levaria 18 minutos a pé. As bicicletas compartilhadas realmente estão servindo para aquilo que foram imaginadas: usos rápidos, convenientes, baratos, e de uma rotatividade incrível.

Legenda: Percebem a diferença de densidade, certo?

Falta agora expandir o sistema, que começou com 500 bicicletas mas promete 20.000 até o final de 2018 e 100.000 pela cidade toda até 2019. Atualmente se encontram concentradas na região da Berrini, um início lógico já que a ciclovia da Berrini apresenta uma média de 4,8 mil viagens de bicicleta por dia. A região da Vila Mariana, tão próxima, extremamente privilegiada, ainda não conta com quase nada, mesmo reunindo uma quantidade gigante de escolas e universidades. Só na Unifesp são 10.000 alunos. Lembrando que estudantes geralmente ainda não tem carta ou dinheiro para manter um carro. São o público alvo ideal para capturar pela bicicleta, e quanto mais eles postergarem a utilização do carro, mais provável é que eles virem usuários fiéis da bicicleta e do transporte público. E consultando o mapa, pelo visto a periferia ficou para alguma fase futura. Vamos fazer pressão para que também sejam atendidos, afinal bicicleta compartilhada faz parte do sistema cicloviário que deve promover a mobilidade de todos, não só dos trabalhadores da Berrini.

No geral a experiência com a Yellow foi muito boa e muito prática, e é exatamente assim que tem que ser para conseguir capturar usuários. Do contrário, o potencial ciclista se frustra uma, duas vezes com o sistema, e acaba desistindo. Confiabilidade é parâmetro vital para qualquer sistema de transportes, seja bicicleta, seja ônibus, seja metrô. A maior crítica que tenho é que na forma de pagamento, é registrado que os créditos carregados duram 2 meses, apenas. Disso não gostei. É um prazo curto, não dá pra fazer um carregamento grande (ainda mais se vier a ter desconto) e deixar de reserva para ser usado esporadicamente. Mas o problema é mitigado pela facilidade de pagamento. Não é tão problemático quanto carregar o bilhete único, por exemplo.

Agora o sistema começa a ser utilizado e virão as mesmas brigas que ocorrem em todas as outras cidades do mundo com sistema compartilhado dockless. Depredação e vandalismo, e uma briga com bicicletas mal estacionadas bloqueando a calçada. Só bom senso já resolveria as duas questões.

A LimeBike fez um vídeo bacana para orientar seus usuários. Fica o promocional com as dicas de estacionamento para fechar o relato.

Legenda: Desculpem, não achei com legendas, mas o vídeo é gráfico o suficiente para entender mesmo assim

Colaborações: Originalmente publicado no Urbanerds. Texto gentilmente cedido para publicação pelo autor



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