Monotrilho: precisamos de mais bom senso na discussão sobre a Linha 15

Por Caio César | 03/03/2020 | 6 min.

Legenda: Estação Vila Tolstói
A difusão de narrativas que surfam no catastrofismo não trará benefícios para os bairros atendidos

A interdição da Linha 15-Prata (Vila Prudente-São Mateus) por parte da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, corriqueiramente grafada como Metrô) exacerba a crise de imagem da companhia e, sobretudo, da própria linha, que tem sofrido com o que parece ser um misto de equívocos típicos, que permeiam todas as obras, ineditismo e outros equívocos maiores, cuja explicação até hoje não foi tornada pública. Muito antes da chegada a São Mateus, foi no mínimo estranho receber notícias de que o ribeirão da Moóca, que corre sob a Avenida Professor Luiz Ignácio Anhaia Mello, havia sido negligenciado, passando ao largo do delicado e complexo processo de planejamento que, esperamos, ocorre antes das obras civis de grande envergadura, como é o caso da construção de uma linha de metrô leve, tal qual a Linha 15-Prata. Nada disso, no entanto, tem balizado as críticas, ou pelo menos, a maioria delas que encontramos. O que tem ocorrido é um verdadeiro teatro de horror, exibindo uma peça de drama no qual uma série de personagens dissemina sentenças alarmistas sem, no entanto, sustentá-las. O final da peça parece ser trágico: condenação política da tecnologia e de seu fornecedor, Bombardier, que acaba de ser integrado à gigante francesa Alstom (aquela mesma que ficou conhecida pela participação no que ficou conhecido como “cartel dos trens do Metrô de São Paulo”).

O futuro da região atendida, que inclui a populosa e delicada Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital paulista, não está sendo considerado nas análises. Não com seriedade. Tratar da densidade demográfica a partir de dados censitários? Jamais, o importante é dizer que “não dá conta da demanda”. Cálculo da oferta presente e futura? Nunca, o importante é dizer que “não dá conta da demanda”. Avaliação do traçado das avenidas que receberam o monotrilho, considerando os raios de curva desafiadores? Besteira, o importante é dizer que “metrô convencional em elevado seria melhor”, mesmo que, na prática, ele não pudesse fazer a primeira curva mais complicada.

Legenda: Chegada à Estação Jardim Planalto evidencia a existência de habitações construídas pelos próprios moradores em meio a um sistema viário estreito e subdimensionado, que impõe raios desafiadores para as curvas

Há quem, por ingenuidade ou mau-caratismo, defenda que o monotrilho custou o mesmo que uma linha de metrô pesado, sem, contudo, exibir qualquer demonstração. Não há planilha de cálculo, indicação de fonte secundária. Nada.

Legenda: Ônibus articulado convencional e sem ar condicionado: trajeto moroso e emissão de material particulado

Numa publicação da Companhia do Metropolitano comunicando o fechamento da linha, um munícipe despeja seu desprezo pela engenharia brasileira: quem precisa de cálculos quando “a população já decidiu”? Ora, gostaríamos de saber quem está disposto a embarcar e entregar a própria vida aos cuidados de alguém que ignora o trabalho de engenheiros, arquitetos e outros profissionais em prol de uma “decisão popular” que não passou por nenhum tipo de fórum público legítimo. A Linha 15-Prata, ainda que tenha sofrido com uma série de problemas — e qual linha não sofre? — , não é o “monotrilho dos Simpsons”. Quem ontem chegava na Vila Prudente em 20 minutos, hoje voltou a encarar ônibus articulados lentos, poluidores e superlotados, além de voltar facilmente a gastar uma hora para chegar na Linha 2-Verde (Vila Prudente-Vila Madalena).

Ironicamente, a Linha 2 não operava com regularidade na manhã de hoje, 2. Filas se formavam na Estação Vila Prudente. O fluxo na Estação Tamanduateí estava quase impossibilitando o funcionamento das escadas em direção à plataforma sentido Vila Madalena. Devemos abandonar a Linha 2-Verde e bradar que ela “só dá problema” e que “não dará conta da demanda de Guarulhos” e que “é melhor nem expandir mais”?

Legenda: Operação da Linha 2 às 8h35 amargava longas filas e espera de pelo menos 10 minutos para o embarque

A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que desde 1993 tem tentado transformar suas linhas em metrô e oferecer um serviço que se distancie das máquinas de moer trabalhadores que a malfadada Superintendência de Trens Urbanos da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) costumava operar no passado, já enfrentou de tudo (ou quase tudo): incêndios (provocados por passageiros ou por falhas elétricas), trens colidindo e mutilando pessoas às dezenas, pessoas que ficavam jogadas à própria sorte enquanto aguardavam a superlotação diminuir, passageiros que surfavam e cujos corpos carbonizados caíam pelo caminho, pessoas que viajavam penduradas, vendedores que vendiam de pintinhos a churrasco e amendoim torrado na hora. Nada disso, senhoras e senhores, deu margem para que se defendesse, de forma clara, a ideia de que “era melhor colocar ônibus no lugar”. Diante da escalada de desmonte da máquina governamental e estatal paulista, precisamos ter mais cautela ao admitir as vozes de determinados especialistas como se fossem a última palavra. É preciso desconfiar de especialistas que omitem dados ou tentam vender, literalmente, soluções milagrosas, não raramente falando em “fazer mais com menos” ou simplesmente insistindo que determinadas soluções custariam a mesma coisa. Lobby não é raro no campo dos transportes. Enquanto este Coletivo faz, abertamente, lobby em prol do transporte sobre trilhos, sem, porém, representar fabricantes do setor, há jornalistas e especialistas ávidos pelas recompensas que poderão angariar ao evitar disrupturas como aquela provocada pela construção de dois monotrilhos na capital paulista. E, obviamente, o monotrilho em si não foi uma escolha isenta. Nenhuma é. A grande questão é que, escolha isenta ou não, ela não faz dinheiro brotar dos jardins do Palácio dos Bandeirantes. O km de uma linha de metrô subterrânea não se torna mais barato a partir daí. E sistemas em elevado tradicional não se tornam uma panaceia, inclusive em termos urbanísticos.

Finalmente, capacidade de passageiros é calculável. Já calculamos a capacidade da Linha 15 e deixamos claro que o projeto não está sendo cumprido e nem poderia sê-lo, porque o segundo pátio não tem previsão de ser construído, para além disso, já exploramos a possibilidade de extrapolar imensamente a atual capacidade da Linha 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes), assumindo uma capacidade tão alta (ainda que factível), que a Linha 11 seria capaz de ofertar praticamente o dobro do que a Linha 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda), hoje uma das linhas de maior capacidade e demanda do continente Americano e, quiçá, do planeta Terra.

A diversidade e a população que mora, por exemplo, nos conjuntos habitacionais atendidos pela Linha 15 ou ao longo da extensa Avenida Sapopemba, esperamos, vai perceber rapidamente que o monotrilho é um divisor de águas. Não podemos, de forma surpreendentemente natural, sem verdadeira disposição de exigir explicações cabíveis por parte da Cia. e do Executivo paulista, liderado hoje pelo governador João Doria (PSDB), tratar o monotrilho como um equívoco, avançando em seguida para o catastrofismo, propondo sua demolição ou prevendo seu abandono. Não há, absolutamente não há, a mínima noção de como aplicar accountability (termo em inglês que significa prestação de contas) diante dos problemas. Somos uma sociedade que não só desconhece o papel da transparência como também prefere adotar conclusões fáceis que rejeitam qualquer chance de exigi-la, uma vez que de fato ainda engatinhamos na matéria.

Não nos colocamos como legítimos e únicos portadores da palavra dos moradores dos tantos bairros que se beneficiam da Linha 15, mas acreditamos, de forma sincera e esperançosa, que a população sabe de forma nítida e lúcida a diferença entre depender de ônibus e do monotrilho. Acreditamos que milhares de pessoas estão ansiosas pela expansão e estabilização do funcionamento da linha, acreditando num cotidiano mais digno e, até mesmo, no desenvolvimento socioeconômico a partir das próximas décadas.


Colaborações: Eduardo Ganança (fotos e informações sobre a situação da Linha 2-Verde)



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