São Paulo precisa de VLT tanto quanto precisa de metrô

Por Caio César | 28/07/2019 | 9 min.

Legenda: Por que não um VLT na Avenida Kennedy, reduto boêmio de São Bernardo do Campo?
Você concorda com a afirmação “VLT, para São Paulo, não funciona”? É hora de desmitificar a ideia de que o VLT não tem vez, seja na capital paulista, seja nas cidades da região metropolitana

Índice


Contextualização

Em entrevista ao Poder360 na data de 18/07/2019, o atual secretário dos Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy (Progressistas), afirmou que São Paulo não tem espaço para receber sistemas de bondes modernos, também chamados de veículos leves sobre trilhos (VLTs), porque a demanda é muito elevada. A declaração, que você confere na íntegra a seguir, obviamente, não nos agradou, e gostaríamos de discutir brevemente por quais razões entendemos que houve um equívoco, que esperamos que seja corrigido ao longo da atual gestão do Executivo, sob responsabilidade do governador João Doria (PSDB).

Sendo assim, as pessoas vão precisar mais de metrô, de VLT…

VLT, para São Paulo, não funciona.

Pode falar sobre isso, por favor.

Transportamos, entre Metrô e trem, uma Suíça por dia. São 17 milhões de passageiros na região metropolitana, entre 23 milhões da população.

Então, o VLT não dá conta da demanda. Precisa de metrô e trem. É isso?

Com certeza. O VLT não é uma solução adequada para a cidade de São Paulo. O monotrilho é opção para algumas regiões. Temos hoje em operação o maior monotrilho do planeta fora da China, que é a linha 15 (Prata). Quando assumimos, em janeiro, transportava cerca de 11.000 passageiros por dia. Expandimos o horário de funcionamento e hoje o mesmo monotrilho transporta aproximadamente 100.000 passageiros. No ano que vem, poderá chegar a 400.000. Há uma complementação do transporte. O ônibus é fundamental, porque é o alimentador do sistema. A bicicleta, o patinete, são fundamentais, porque fazem parte da micromobilidade. Mas, sem dúvida alguma, o metrô é o sistema mais adequado para a cidade de São Paulo. A linha 6 (Laranja) tem a possibilidade de retirar meio milhão de carros das ruas.

Para facilitar a abordagem, vamos “dissecar” a declaração em múltiplas seções, fornecendo algumas evidências e também nossa visão. Em alguns momentos será perceptível que há diferenças na compreensão do funcionamento da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), da capital paulista e do papel dos meios de transporte mencionados pelo secretário.

Antes de prosseguirmos, uma rápida conceituação do que vem a ser um VLT, citando um compacto parágrafo de um artigo científico (BERNARDES, Flaviane Fernandes; FERREIRA, William Rodrigues. Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)–Proposta de implantação para o transporte público em Uberlândia/MG. Caminhos de Geografia, v. 17, n. 58, p. 189–204, 2016):

O Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) é um modal de transporte público sobre trilhos, com algumas características similares às do metrô de superfície, possuindo facilidade para sua inserção na estrutura viária existente, compartilhando ou não o espaço comum do tráfego, inclusive na convivência com os pedestres e áreas verdes e utilizando-se de energia elétrica. Apresentam soluções menos poluidoras, com 30 anos de vida útil, limpo e ecológico contribuindo para a mobilidade urbana sustentável e inclusiva, ademais de agregar uma imagem positiva à cidade, onde sua implantação induz à renovação urbana e circula em centros históricos e atrai usuários de transporte público e de carro. Este modal pode desempenhar um serviço de alta qualidade operacional e maior capacidade que os ônibus. Simultaneamente está em harmonia e equilíbrio com os projetos urbanísticos e paisagísticos atuais e possibilita uma intensa integração modal.


Grandes cidades, múltiplas soluções

É estranho imaginar que São Paulo impõe uma demanda muito alta para receber linhas de bondes, sendo que o Rio de Janeiro, que integra uma importante metrópole num estado vizinho, inaugurou um sistema de VLT como parte da requalificação da região portuária. O mesmo Rio de Janeiro de seis milhões de habitantes, dos ônibus abarrotados na Avenida Brasil e dos passageiros pendurados em direção a Saracuruna na SuperVia.

Mas… a cidade de São Paulo tem doze milhões de habitantes, quase a mesma população de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, um leitor ou leitora atenta poderia apontar. Sim, é verdade, mas o contingente populacional de uma figura regional não é tudo, porque ele sozinho não explica como a população efetivamente habita aquele espaço, em outras palavras, a distribuição da população e sua dinâmica de deslocamento não são uniformes.

Legenda: Do canal do Arlindo Pereira: deleite-se com uma hora de imagens da circulação das linhas 1 e 2 do VLT em pleno Centro do Rio

Não queremos dizer aqui que a implantação do VLT no Rio de Janeiro é uma perfeição, importante salientar. Existem problemas, evidentemente, até porque o novo sistema de bondes continua funcionando dentro de uma lógica de concorrência predatória entre diferentes meios de transporte, mas nenhum deles desqualifica a solução adotada.

Acreditamos que há espaço para racionalizar uma série de operações de linhas, hoje completamente baseadas em ônibus. Como veremos na seção seguinte, o ônibus não é mero alimentador, até porque existem municípios no qual não a lógica nem mesmo pode ser aplicada. É impossível olhar para os corredores ineficientes da capital paulista e afirmar categoricamente que não existiriam ganhos com a adoção de VLTs no lugar dos ônibus.

A capacidade de um bonde é muito maior, uma vez que ao ser guiado por trilhos, ele pode ter um maior comprimento. São Paulo inclusive tem uma fábrica em Taubaté, de propriedade da Alstom, especializada na produção desse tipo de veículo ferroviário. São Paulo também já acumula experiência na implantação de VLTs, porque implantou dois nas últimas décadas: o fracassado VLT de Campinas da FEPASA (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima), irresponsavelmente construído e depois irresponsavelmente abandonado e o VLT da Baixada Santista, que está em funcionamento e preencheu (com notáveis vantagens) o vácuo que havia sido deixado após a desativação do TIM (Trem Intrametropolitano) da FEPASA.


A superutilização do ônibus é a prova cabal de que o VLT tem espaço garantido

A capital paulista tem um sistema de ônibus que exibe números superlativos, a começar pela demanda. Transportando uma média de 6,8 milhões de passageiros em junho de 2019, segundo planilha oficial disponível para download, os ônibus das concessionárias e permissionárias prestadoras de serviços da SPTrans (São Paulo Transporte) são organizados em dois subsistemas com características distintas: Local e Estrutural.

Quando o secretário aponta que o ônibus é o alimentador do sistema de transporte, a lógica de organização da maior rede municipal acaba se perdendo. No sistema da SPTrans, a função de alimentador é desempenhada pelo Subsistema Local, que geralmente opera com ônibus de menores dimensões, capazes de enfrentar o péssimo sistema viário das periferias auto-construídas do município. O ônibus alimentador do Subsistema Local não se limita a funcionar atrelado ao sistema sobre trilhos, porque a cobertura e capacidade do sistema de trilhos também apresentam insuficiências.

O Subsistema Estrutural da SPTrans está presente nos corredores e nas ligações de maior capacidade e complexidade, com ônibus maiores, que podem utilizar uma ou duas articulações. São ônibus que, circulando de maneira parcialmente segregada nos corredores, poderiam dar lugar a VLTs com capacidade superior.

A Siemens fabrica a linha Avenio, cujas especificações apontam possibilidade de uso com até 7 módulos e capacidade estimada em 297 passageiros (sendo 4 passageiros por m²). A CAF fabrica a linha Urbos, cujas especificações apontam possibilidade de uso com até 9 módulos e capacidade estimada em 397 passageiros (sendo 4 passageiros por m²), propagandeado pela empresa como o “maior VLT do mundo”.

Legenda: Vídeo do canal da CAF no YouTube: apresentação da configuração com 9 módulos para o sistema de bondes de Budapeste

Questione-se: como São Paulo pode ter espaço para ônibus articulados, mas não para VLTs? Como um VLT de 9 módulos e cerca de 400 passageiros de capacidade não é superior a articulados sacolejantes que transportam sofrivelmente menos de 200 passageiros?

A conta não está fechando. A retomada dos bondes aumentará a capacidade de transporte sem exigir desapropriações, aproveitando um sistema viário consagrado na mente e na rotina das pessoas.

A Companhia do Metropolitano de São Paulo (oficialmente abreviada como METRÔ) precisa de um choque de realidade: nós, passageiros, não podemos esperar 100 anos para recebermos mais um punhado de linhas subterrâneas de metrô, cada uma com 15 ou 20 km, enquanto recursos para modernização e manutenção da rede acabam sendo mendigados, prejudicando a expansão da capacidade das linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e a implantação de corredores para ônibus intermunicipais da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos). Como opinamos recentemente, não só a capital, mas outros municípios ao redor, apresentam sistemas viários capazes de receberem VLTs. Se o sistema viário comporta ônibus de grande porte, muito provavelmente comporta VLTs de grande porte.

O governo de São Paulo deveria definir imediatamente trechos prioritários de corredores para conversão e complementação, começando pela situação desfavorável da Zona Central da capital paulista e seguindo radialmente e perimetralmente.

A possibilidades são inúmeras e a capital precisa reduzir a dependência nos ônibus e no processo licitatório monstruoso que tem patinado desde a gestão Fernando Haddad. Pense bem, até mesmo o pesadíssimo Expresso Tiradentes poderia ser convertido numa linha de metrô leve usando VLTs.

Fora da capital, a EMTU opera ligações troncais que podem passar dos 20 km de extensão, enquanto os sistemas municipais geralmente são pouco racionalizados e extremamente radiais, não raramente com as linhas irradiando a partir do centro do município, que pode ou não contar com uma estação da CPTM.


Pedestres e bondes caminham juntos

Nos centros das cidades da RMSP, incluindo o centro da capital paulista, há a possibilidade de devolução do transporte público aos calçadões, porque VLTs possuem boa capacidade de integração com o meio urbano, uma vez que são mais leves do que os trens convencionalmente utilizados em sistemas de metrô. Trata-se de uma excelente notícia para quem é pedestre.

A grande sacada do VLT é aliar boas taxas de frenagem a velocidades compatíveis com a vida humana. Mais: a adoção de sistemas de tráfego com controle centralizado, como o Pegasus 101 da Alstom, garante que o condutor do VLT vai respeitar as velocidades mais baixas dos trechos compartilhados, porque o sistema de sinalização é inteligentemente capaz de controlar a velocidade máxima permitida, a abertura e o fechamento de todas as portas, ativar e desativar pantógrafos, entre outras coisas.

Legenda: Bondes modernos da linha Citadis da Alstom, circulando na rua Charles-Gilles da cidade de Tours, França. Créditos a Jules78120. Alguns direitos reservados (CC BY-SA 3.0)

Estamos perdendo grandes oportunidades. Oportunidades que vão da região da av. São João, em São Paulo, passam pela r. Cel. Oliveira Lima, em Santo André e terminam na r. Flaviano de Melo, em Mogi das Cruzes.


Apoiadores(as): pauta sugerida pelo apoiador Abilio Augusto



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