Trem para Aparecida: mais um vexame jornalístico e governamental

Por Caio César | 01/05/2023 | 11 min.

Legenda: Expresso Turístico na Estação Estudantes
Folha de S.Paulo passa pano para devaneio da gestão Tarcísio, mas “viagem” termina antes mesmo de começar. Seria amadorismo, desonestidade ou incompetência?

Índice


Trem fantasma

Nossa imprensa, mais uma vez, patinou na discussão da mobilidade regional no estado de São Paulo. Sem grandes surpresas, embarcou num trem fantasma para a cidade de Aparecida, no Vale do Paraíba. O passeio, é claro, durou pouco e o devaneio acabou debelado em cerca de dois dias, tanto pela concessionária MRS Logística, quanto pelos preservacionistas da ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), que expuseram o total amadorismo do Executivo paulista.

O recado foi claro: sem projeto, não tem trem.

Embora Tarcísio (Republicanos) e sua equipe insistam num discurso pró-infraestrutura, a possibilidade de realizar uma viagem experimental pontual, provavelmente utilizando locomotiva e carros de passageiros de concepção obsoleta, não pode ser considerada a pedra fundamental de um serviço ferroviário regional de média distância. Pesa ainda o fato de que todo o devaneio girou em torno de um serviço turístico, que como bem sabemos, é a desculpa perfeita para oferecer viagens caras, lentas e esporádicas.

A articulação entre a RMVPLN (Região Metropolitana do Vale do Paraíba e do Litoral Norte) e a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), a exemplo do que tem acontecido com a articulação entre a RMC (Região Metropolitana de Campinas) e a RMSP, tem ficado refém de discursos oportunistas e ignorantes, que não compreendem os desafios enfrentados diariamente por funcionários e passageiros do Trem Metropolitano da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Como veremos a seguir, existem uma série de pendências importantes envolvendo as linhas 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra, parte do Serviço 710), 11-Coral (Luz-Estudantes), 12-Safira (Brás-Calmon Viana) e 13-Jade (Eng.º Goulart-Aeroporto·Guarulhos).

Se o governo estivesse realmente interessado com a promoção do turismo, deveria compreender que uma abordagem multifacetada ofereceria melhores resultados, para tanto, a implantação de um transporte ferroviário regional robusto e regular, capaz de atender às escalas local, metropolitana e macrometropolitana, estabeleceria os alicerces necessários. O transporte regular oferece os pilares para o bom funcionamento das vias e estações, bem como permite que a população se conecte sentimentalmente com a ferrovia, pois a regularidade e a forte presença cotidiana abrem janelas de oportunidades para que os trens se estabeleçam como um elemento relevante da paisagem urbana, com identidade e memória valorizáveis.

Parece faltar lucidez no debate público, pois a simples ideia de oferecer um trem esporádico para Aparecida, ao passo que os deslocamentos diários da população de Jacareí, São José dos Campos, Caçapava e Taubaté continuam sendo ignorados soa, francamente, como um soco no baço. Similarmente, é vergonhoso que não exista aproveitamento do potencial turístico do Alto Tietê, notadamente entre Mogi das Cruzes e Guararema. Faz falta um trem leve e robusto, com capacidade de atender a sede de Guararema, Luiz Carlos, Sabaúna, Cezar de Souza e a sede de Mogi das Cruzes.

A imprensa, apesar de passar por uma profunda crise de credibilidade, não teve a capacidade de questionar todas as partes envolvidas. A Folha de S.Paulo teve o requinte de construir uma manchete desonesta, na qual transmitiu a ideia de que o trem turístico havia sido barrado por uma decisão da MRS, quando, na prática, a concessionária não possuía condições para se comprometer com um tema alheio à sua atividade.

Legenda: Falamos sobre a manchete problemática numa publicação no nosso Instagram. Clique aqui ou sobre a imagem para acessá-la

Uma alternativa viável

Enquanto o atendimento regional patina, é preciso apontar, mais uma vez, que o Expresso Turístico impõe severas restrições à operação de linhas que possuem características cada vez mais metropolitanas — deve ser por isso que a a CPTM opera um serviço chamado Trem Metropolitano, mas que, por não adotar a forma contraída “metrô”, não é reconhecido como tal. Há anos, publicamos artigos questionando a manutenção do Expresso Turístico.

Parece que as prioridades andam um tanto estranhas na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos): enquanto pairam incertezas em torno da ideia de estabelecer ligações ferroviárias de caráter regional, utilizando trens confortáveis entre a capital e municípios como Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, a estatal decidiu que vai criar uma “unidade de negócio” em torno de seu “ferrorama turístico” (aquele que utiliza uma locomotiva ultrapassada de manutenção em conjunto com carros de passageiros também de concepção superada).

Com atendimentos que facilmente saltam de 30 para 60 km, em meio ao oportunismo para atendimento ao interior e litoral do estado, deveríamos estar discutindo uma nova hierarquia de serviços, reconhecendo de forma clara e objetiva os papéis desempenhados por cada um deles. Deslocamentos na casa dos 50 km (distância que permite ir do centro histórico de São Paulo ao centro cívico de Mogi das Cruzes), obviamente, impõem estresse físico e psicológico quando se dão em assentos duros, longos períodos em pé e problemas de superlotação.

Justificativa Considerando as últimas discussões que realizamos internamente a respeito do transporte sob demanda, uma das possibilidades levantadas é a de que o modelo do fretamento (quando pessoas ou grupos de pessoas contratam um ônibus para se deslocarem entre pelo menos dois pontos, a partir de necessidades em comum) possui o espaço e a força que conhecemos, sendo onipresente na capital paulista, devido à situação da malha de transporte sobre trilhos.

Já passou a hora de entendermos como vamos atenuar o conflito entre deslocamentos de múltiplas escalas no Trem Metropolitano. A implantação de mais serviços expressos e a possibilidade de dualizar o atendimento numa mesma composição, oferecendo um trem híbrido com dois tipos de salão, pode ser uma alternativa barata. Nossa proposta de trem dual ou híbrido recebeu o nome de macrô, adotando uma contração “à francesa”, que faz referência à palavra macrometropolitano.

Legenda: Conceito de trem macrometropolitano partindo de uma estação (Kassio Massa)

Embora seja compreensível que, por uma série de fatores, a janela de oportunidade para conversão do trecho Suzano-Estudantes em VLT tenha se fechado, ainda é possível acreditar num VLT do tipo tram-train entre Mogi das Cruzes e Guararema. Um tram-train entre Mogi das Cruzes ou Estudantes e Guararema, apesar de precisar vencer uma distância equivalente à Linha 3-Vermelha (Palmeiras·Barra Funda-Corinthians·Itaquera; cerca de 22 km), seria formidável não só para estimular o turismo entre localidades pitorescas, mas atender o superestimado distrito de Cezar de Souza.

Um efeito colateral positivo da não conversão do trecho Suzano-Estudantes em VLT seria, justamente, a possibilidade de retomar o papel da Linha Safira como variante do tronco (Linha Coral), ou seja, de oferecer viagens da Linha Safira que terminam não em Calmon Viana ou Suzano, mas em Mogi das Cruzes. Cremos que um cenário do tipo abriria duas possibilidades, sobre as quais já este Coletivo já discorreu em diferentes artigos no passado:

  1. Reforçar o papel da Linha 11 como um tronco de altíssima capacidade entre o Alto Tietê e a Zona Oeste (até Lapa ou Barra Funda, pelo menos); e
  2. oferecer à Linha 12 um papel de variante até Mogi das Cruzes, com serviço seletivo no padrão de "macrô", abrindo possibilidades interessantes para acesso ao Vale do Paraíba na Estação Eng.º Manoel Feio, bem como dinamização da operação dentro da capital.

Legenda: Infográfico descrevendo o esquema de operação proposto. Meramente ilustrativo, não correspondendo rigorosamente à disposição de portas e janelas

A dinamização da Linha 12 dentro da capital poderia envolver, entre outros elementos, o enterramento em Brás e a expansão até Pari em conjunto com a Linha 4-Amarela (Luz-São Paulo·Morumbi). Em uma visão ainda mais arrojada, poderia ser fundida com a Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno), criando um serviço 812, tão versátil quanto o 710.

Legenda: Mapa esquemático da proposta, incluindo propostas e anseios do COMMU, além de promessas do poder público. Convenções adotadas para identificação dos serviços: 812/P = serviço parador 812, que unifica as linhas 8-Diamante e 12-Safira; 12/E = serviço expresso da Linha 12; 8/EO = extensão operacional da Linha 8-Diamante; trechos com contorno pontilhado = oferta regulada por meio de partidas intercaladas
Legenda: Tabela descritiva das propostas expressas no diagrama

Obviamente, a fusão com a Linha 8 seria oportuna para resolver a integração entre Luz e Júlio Prestes, dotando a segunda de um conjunto de plataformas subterrâneas, integradas ao túnel da Est. Luz, mantendo ainda a gare histórica da Sorocabana como acesso e memória.


Encaminhamento de demandas

Com o aquecimento das discussões ao longo de uma semana, aproximadamente, tivemos a oportunidade de encaminhar algumas demandas a Rodrigo Valverde (PT), ex-vereador da Câmara Municipal de Mogi das Cruzes e candidato à prefeitura mogiana no último pleito. Para começarmos a encarar a possibilidade de articular o Vale do Paraíba e a Grande do São Paulo, precisamos preparar as linhas da CPTM que atendem a Zona Leste o Alto Tietê. São as demandas:

  1. Concluir a expansão da Linha 12 até Suzano;
  2. Avaliar a expansão da Linha 12 até Mogi das Cruzes (a estação tem plataformas ociosas), já que O Diário de Mogi minou o VLT (veículo leve sobre trilhos), consequentemente encarecendo e dificultando o atendimento ao distrito mogiano de Cezar de Souza;
    1. Existe o potencial de oferecer um serviço dual, mais confortável, considerando a menor demanda da Linha 12 e o potencial de aumento da oferta e implantação de vias auxiliares e novas estações em Poá e Itaquaquecetuba, para tanto, seriam ampliadas as plataformas, instaladas linhas de bloqueio complementares e adicionados 2 carros de dois andares (respeitando o gabarito máximo da CPTM) em cada ponta.
  3. Melhorar os AMVs (aparelhos de mudança de vias) no trecho Mogi das Cruzes-Estudantes, para facilitar a inversão de comando e evitar zigue-zague nas plataformas;
  4. Todas as quatro estações de Mogi das Cruzes precisam ser reconstruídas, com um padrão que não deveria ser inferior aos projetos de Suzano (concluída, apesar de a Linha 12 não ter sido ampliada ainda) e Eng.º Manoel Feio (preterida);
    1. O ideal seria fazer o terminal de ônibus pela CPTM, assim como foi com a Estação Grajaú e depois transferir a responsabilidade de fazer funcionar para o Executivo mogiano;
    2. Se o município não tem capacidade de oferecer integração tarifária, precisam ser criadas linhas-tronco intermunicipais que seriam, na verdade, alimentadores do Trem Metropolitano;
    3. A CPTM também está devendo a reconstrução das estações Eng.º Manoel Feio (como citado acima), Aracaré e Itaquaquecetuba.
  5. Considerar a expansão até Guararema como VLT, já que a demanda é obviamente pequena, em conjunto com um plano de turismo sustentável que envolva Luís Carlos e Sabaúna. Podem ser usados VLTs do tipo TUD, se a eletrificação não se justificar;
    1. Considerar ainda uma estação nova para o Parque Centenário da Imigração Japonesa.
  6. Avaliar cuidadosamente as PNs (passagens de nível) existentes, com estudos de microssimulação para garantir que não serão feitos viadutos redundantes para agradar carristas, pois já temos casos de viadutos que foram feitos e PNs que não foram fechadas apesar disso, ademais, pedestres, ciclistas e quem usa ônibus precisam ser considerados;
  7. Adotando uma operação dual na Linha 12, abrimos a possibilidade de retomar o atendimento regular até Aparecida (não como “ferrorama turístico”), mantendo o mesmo tipo de material rodante, usando a faixa de domínio da Variante do Parateí, o que significa atender São José dos Campos, Caçapava, Pindamonhangaba e Taubaté também, potencializando o uso da Estrada de Ferro Campos do Jordão, que é anêmica em tudo e já deveria estar nas mãos da CPTM;
    1. Com a Variante do Parateí, há potencial para estações integradas ao sistema rodoviário estadual, para park and ride e redução da pressão dos carristas sobre a Marginal Tietê, além de linhas intermunicipais integradoras, para atendimento à historicamente negligenciada porção norte de Guararema.
  8. Com a requalificação da Linha 12 nos moldes citados, bem como o fechamento das PNs na Linha 11 e a melhoria da tronco-alimentação, abrir-se-ia espaço para um aumento vertiginoso de sua oferta, com vistas a tentar manter um patamar de lotação de, no máximo, 4 pessoas por m²
    1. Haveria ainda potencial para fusão da Linha 12 com a Linha 8, mas a concessão vigente precisaria ser revogada, como parte de um outro plano para sofisticação dos serviços do oeste metropolitano, com vistas à retomada do Expresso Oeste-Sul e da ligação em U invertido na porção mais dinâmica de Alphaville, em Barueri;
  9. Existem ainda corredores pendentes de construção pela EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, em risco de extinção), cuja negligência pelas gestões reacionárias do governo estadual tem causado prejuízos incalculáveis aos municípios de Arujá, Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos e Guarulhos;
  10. Finalmente, temos potencial subutilizado envolvendo o Rodoanel e as discussões na imprensa regional estão se concentrando numa alça em Suzano (luta que é questionável, pois o Rodoanel é uma rodovia de contorno, de classe 0 e acesso controlado, integrada a outras rodovias paulistas), enquanto o transporte coletivo fica à míngua;
    1. potencial para implantação de diferentes ligações intermunicipais, seletivas ou não, terminando ou passando pelas linhas 10, 11 e 12 da CPTM, exigindo adaptação da Estação Calmon Viana e construção de nova estação em Suzano, potencialmente chegando aos centros das principais cidades do ABC e suas rodoviárias.
  11. Temos sérios gargalos na Estação Luz e precisamos de uma cobrança ativa em relação à expansão da Linha 11 para Palmeiras-Barra Funda, cujas obras já foram contratadas;
    1. Temos ainda gargalos sérios na Linha 12 terminando no Brás, o que fica agravado pela operação invasora da Linha 13, cujo projeto original envolvia terminá-la em Chácara Klabin, sem congestionar o tronco Luz-Tatuapé;
    2. Idealmente, a Linha 13-Jade seria expandida, deixando de compartilhar vias, enquanto a Linha 12 poderia ser expandida, como citado acima, sendo fundida com a Linha 8, o que significaria uma janela de oportunidade para construir uma nova estação no Pari, integrada com a Linha 4-Amarela, bem como plataformas subterrâneas em Júlio Prestes, devidamente integradas com o túnel da Estação Luz.

Com tantas demandas — algumas delas remontam ao cada vez mais longínquo ano de 2016 —, é nítido que nós, moradores da Zona Leste ou do Alto Tietê, estamos com um backlog de algumas décadas, travado no Palácio dos Bandeirantes, situação que foi agravada pelo resultado do último pleito.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus