COMMU questiona Alden sobre mega-empreendimento imobiliário

Por Caio César | 06/08/2022 | 9 min.

Legenda: Imagem de satélite do distrito de Cezar de Souza, que já apresenta as movimentações de terra associadas ao Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety. Créditos ao Google Earth pela imagem
Na primeira metade de julho, questionamos a Alden após a publicação de reportagens pela imprensa do Alto Tietê. Nossa preocupação: o aparente descompasso entre as características do empreendimento Fazenda Rodeio, a ser construído no distrito de Cezar de Souza, em Mogi das Cruzes, e o Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety

Índice


Contextualização

Na primeira metade de julho, a imprensa do Alto Tietê publicou algumas reportagens relacionadas ao Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety. Apesar de serem sucintas e não abordarem o plano diretamente, as reportagens veiculadas nos ofereceram indícios importantes em torno da postura da Alden, empresa que entendemos ser a responsável pelo processo de loteamento, tendo como sócios dois grupos empresariais tradicionais de Mogi das Cruzes e Suzano.

De imediato, tanto a quantidade de lotes, quanto a proposta do lançamento imobiliário apresentado pela imprensa (veja aqui e aqui), chamaram a nossa atenção (não por bons motivos, como veremos).


Procurando respostas

Já havíamos estudado o site da Alden e o Plano Urbanístico em outubro de 2021, quando escrevemos sobre uma série de ações de desenvolvimento imobiliário no município de Mogi das Cruzes. Até julho, pairava um silêncio a respeito dos próximos passos para concretização das diferentes etapas, embora a presença da Alden já se fizesse sentir na área que abrange o Plano Urbanístico.

Legenda: Planta destacando a Etapa 1 do Plano Urbanístico Reserva da Serra do Itapety, disponível na página oficial “O que significa a ‘Etapa 1’”

O silêncio foi especialmente rompido com um parágrafo presente na reportagem intitulada “Com novo residencial, viadutos e novas ruas chegam a César”, publicada pelo famigerado Diário de Mogi:


Uma futura etapa - em um setor denominado inicialmente como "cidades", para o mix de vocação comercial, empresarial e serviços - já é vista por quem passa na região, a caminho de bairros como o Botujuru. Com a infraestrutura viária e de saneamento nascerá antes, todo o bloco, nessa região, que já está sendo construído.

Ora, é no mínimo estranho que o setor com uso misto, edifícios de maior gabarito e potencial de abrigar uma maior densidade habitacional, seja classificado como “futura etapa”. Outro aspecto curioso consiste na utilização inédita do termo “setor” pelo jornal mogiano, acrescentando uma camada adicional que não está presente no site da Alden (basta buscar por setor OR cidade site:https://alden-di.com.br usando o Google e observar que não há indexação de conteúdo compatível com a terminologia).

Quase esgotando nossas buscas por respostas em materiais públicos, encontramos uma apresentação da Helbor (uma das empresas sócias da Alden) direcionada a investidores, da qual extraímos os slides abaixo.

Legenda: De cima para baixo, da esquerda para a direita: slides 7 (dados gerais da área de 10 milhões de m² Fazenda Rodeio, cuja metade deverá ser explorada pela Alden), 9 (características suburbanas do empreendimento Fazenda Itapety) e 8 (setorização da área de interesse). Clique no slide desejado para carregar e ampliar a imagem

Podemos observar que a apresentação recupera o termo “setor”, revelando que as etapas 1, 3, 5, 7, 9, 11, 12 e 13 pertencem ao “Setor Cidades”, que abrigará “lotes para desenvolvimento de incorporação”, com morfologia “Residencial Vertical Multifamiliar” (vulgo edifícios de vários andares com condomínios de apartamentos) e uso do solo “Misto”, enquanto as etapas 2, 4, 6, 8 e 10 pertencem ao “Setor Residencial”, que abrigará uma “ocupação de baixa densidade”, com morfologia “Residencial Horizontal Unifamiliar” (vulgo loteamentos ou condomínios fechados de casas de alto padrão com baixa urbanidade e elevada dependência do automóvel).

Nos é nítido ainda que, apesar das várias etapas do plano original, a orientação do negócio parece tratar todo Setor Residencial como a Etapa 1 de facto, tanto que o número total de lotes é condizente com as reportagens da mídia regional. A impressão é de uma comercialização atingindo todo os terrenos que integram as etapas 2, 4 e 6.

Nossa expectativa seria de um processo de ocupação moroso, intercalando o bom e o mau exemplo, no qual seria possível o fomento de diferentes formatos de reflexão e debate sobre qual modelo de cidade queremos: aquele que é vendido como cidade ou aquele que é vendido como “residencial” ou “bairro”, num eufemismo que mascara a adoção de práticas de formação de subúrbios. A despeito da ideia de um produto integrado e cuidadosamente planejado, nós consideramos que os subúrbios expressam uma forma de ocupar que não é compatível com qualquer noção de cidade para pessoas ou cidade sustentável, uma vez que intensifica a segregação socioespacial e cria uma série de condições que induzem a utilização intensiva do automóvel, produzindo não-lugares que parasitam qualquer tecido que se assemelhe a uma cidade.


Contato com a Alden

Diante das informações levantadas, decidimos encaminhar uma mensagem de correio eletrônico para o endereço etapa1@alden-di.com.br em 10/07/2022, reproduzida na íntegra a seguir:

Prezados(as),

Com relação ao empreendimento Fazenda Itapety, objeto de reportagens recentes por veículos como O Diário de Mogi e Mogi News, gostaria de saber qual a relação deste com as etapas do Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety.

Pelas características mencionadas nas reportagens, incluindo as dimensões da área, o empreendimento parece dizer respeito a outras etapas do Plano, como a 4 ou a 6.

  1. Poderiam esclarecer em qual etapa o empreendimento está situado?
  2. As etapas foram reorganizadas?
  3. A Etapa 1 permanece prioritária e buscará coesão com o Projeto Urbanístico Específico (PUE) para a Área de Intervenção Urbana (AIU) Região Leste de Mogi das Cruzes, recentemente divulgado pelo Executivo mogiano, privilegiando um tecido compacto, convidativo para a caminhada e o uso de transporte público, com diversidade de usos?
  4. Outra dúvida: qual ou quais atributos tornam o residencial sustentável? Considerando as dimensões dos lotes e a morfologia prevista, estas parecem indicar a tendência de construir mais uma gleba semelhante a um subúrbio carrodependente.

Agradeço desde já.

– Atenciosamente, Caio César

Uma resposta foi então remetida pelo endereço atendimento@alden-di.com.br quatro dias depois, igualmente reproduzida na íntegra a seguir:

Olá Caio César,

Sobre seu e-mail, enviamos abaixo as respostas:

  1. Poderiam esclarecer em qual etapa o empreendimento está situado?

Resposta: O empreendimento se encontra localizado no Setor Bairro - Etapa 2, 4 e 6.

  1. As etapas foram reorganizadas?

Resposta: Não.

  1. A Etapa 1 permanece prioritária e buscará coesão com o Projeto Urbanístico Específico (PUE) para a Área de Intervenção Urbana (AIU) Região Leste de Mogi das Cruzes, recentemente divulgado pelo Executivo mogiano, privilegiando um tecido compacto, convidativo para a caminhada e o uso de transporte público, com diversidade de usos?

Resposta: A Etapa 1 - Setor Cidade está em fase de implantação. Pelas características do Setor Cidade, esta etapa permanece como prioritária, face a diversidade de usos e ocupação, bem como o projeto urbanístico se apresenta convidativo para caminhadas pelo Boulevard - Rua 6 (Calçadão), amplas calçadas, ciclovias e caminhadas pelo Parque Linear do Ribeirão Botujuru. Também está prevista implantação de linha de ônibus de transporte coletivo para acesso ao local.

Com relação a AIU Região Leste de Mogi das Cruzes, o Plano Diretor do Município de Mogi das Cruzes - LC nº 150/2019, não incluiu o Plano Urbanístico da Reserva da Serra do Itapety como parte integrante de AIU; contudo a Etapa 1, prioritária, deverá, no futuro quando ocupada, buscar a coesão urbana com as demais porções territoriais e dinâmicas urbanas existentes no entorno imediato do Distrito de César de Souza.

  1. Outra dúvida: qual ou quais atributos tornam o residencial sustentável? Considerando as dimensões dos lotes e a morfologia prevista, estas parecem indicar a tendência de construir mais uma gleba semelhante a um subúrbio carro dependente.

Resposta: Primeiramente, destacamos que o empreendimento se encontra em fase de Certificação AQUA-HQE - Bairros e Loteamentos. Seguindo princípios franceses da Démarche HQE™ e referenciais técnicos desenvolvidos e aplicados pela Fundação Vanzolini, o projeto valoriza e respeita a cultura, o clima, as normas técnicas e a regulamentação presentes no Brasil.

Com relação aos atributos que tornam o empreendimento "sustentável", entendemos que, a partir da sua plena implantação e ocupação - Etapa 1 e Etapa 2, 4 e 6 - devemos promover a qualidade de vida e o bem-estar daqueles que lá vivem, trabalham e transitam no local, por meio de sua multifuncionalidade, diversidade de usos mistos e da implantação de edificações residenciais, comerciais e serviços.

O projeto foi desenvolvido considerando tecnologias que garantem a gestão de resíduos sólidos, a utilização de materiais sustentáveis, a gestão da água (por meio da conservação de água potável e ao proporcionar alternativas de reúso), a coleta e o tratamento de esgotos gerados no empreendimento, a biodiversidade, a implantação de edificações sustentáveis, a preservação do patrimônio histórico e ambiental, o aumento da eficiência no uso de energia, a implementação de infraestrutura verde e a valorização da fauna e flora ambiental, por meio da implantação dos programas ambientais previstos na legislação em vigor. Todos esses atributos contribuirão com uma melhor qualidade de vida para os futuros moradores, usuários e a população mogiana em geral.

Além disso, também fazem parte das ações envolvendo o empreendimento como um todo: a preservação dos corredores ecológicos, o Parque Linear do Ribeirão Botujuru, que será aberto ao público, e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Botujuru – que corresponde a cerca de 5 milhões de m² de Mata Atlântica e que estão sendo preservadas de forma perpétua, sob o gerenciamento do Instituto Ecofuturo.

Continuamos à disposição.

Desde já, agradecemos.

Atenciosamente,

Alden Desenvolvimento Imobiliário Ltda

Tel.: 0800 076 7777

Avenida Vereador Narciso Yague Guimarães, nº 1145, 15º Andar, Jd. Armênia Helbor Concept – Edifício Corporate | Mogi das Cruzes | SP | CEP 08780-500


Conclusão

Como é praxe, existe um certo grau de greenwashing envolvido, ou seja, adoção de terminologias, tecnologias, práticas e certificações que aplicam um verniz verde ao empreendimento, mas que não são substanciais ou mesmo relevantes para torná-lo sustentável ou positivo em sua totalidade, ainda assim, a presteza e qualidade da resposta da Alden são dignas de nota.

Legenda: Numa das perspectivas artísticas divulgadas pela imprensa do Alto Tietê, o clube do empreendimento Fazenda Itapety se insere numa paisagem de baixíssima densidade, rodeado pelo verde da serra

Infelizmente, a partir da resposta e das informações coletadas até aqui, compreendemos que a Etapa 1 do Setor Cidade ocorre concomitantemente com as etapas 2, 4 e 6 do Setor Residencial, preterindo as etapas intermediárias 3 e 5 do Setor Cidade. Para além de estratégias de comercialização que refletem a fina-flor de um país estruturalmente racista e profundamente desigual, a Etapa 1 provavelmente será responsável por oferecer uma futura centralidade para as etapas 2, 4 e 6, com escritórios de profissionais liberais e comércio de apoio.

Mesmo com a implantação de uma linha de ônibus e a presença de um ou mais bulevares e calçadões, não há garantias de que Mogi das Cruzes não vai acabar tendo uma Alphaville para chamar de sua, repetindo os erros que podem ser enxergados in loco nos municípios de Barueri e Santana de Parnaíba. Traçando um paralelo para encerrar este artigo, as etapas 2, 4 e 6 da Alden serão como os residenciais 0, 1 e 2, enquanto a Etapa 1 exercerá um papel similar ao do tecido cortado pela Alameda Rio Negro.




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