Nós já estamos acostumados, não se preocupe

Por Caio César | 20/09/2015 | 9 min.

Legenda: Pico vespertino por volta das 17h40 na Estação Palmeiras-Barra Funda
Finais de semana e feriados são dias cabalísticos para nós que dependemos do Trem Metropolitano da CPTM. Entenda

Índice


Não sabemos se o trem vai demorar 10 ou 40 minutos, não sabemos também se ele vai a 60 ou 10 km/h, pior, não sabemos quão duras serão as filas que poderemos enfrentar, principalmente se uma parte da linha estiver interrompida e o trajeto precisar ser completado por ônibus do chamado PAESE (Plano de Apoio entre Empresas em Situação de Emergência).


Introdução

A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos foi criada por força da Lei nº 7.861, de 28 de maio de 1992, desde então, foram desdobradas uma série de ações que resultaram em:

  • Transferência dos sistemas da Superintendência de Trens Urbanos de São Paulo da CBTU (1994) e do Trem Metropolitano da Fepasa (1996);
  • Início de programas de modernização da malha, sendo notável o interesse de concessionar linhas na década de 1990, com a gestão do ex-governador Mário Covas, que acabou não sendo levado a cabo;
  • Esforços para integração entre a CPTM e outros modos de transporte;
  • Programas de expansão e dinamização da malha, visíveis principalmente com a construção de novas estações, ampliando o atendimento da CPTM aos locais cortados pelas linhas;
  • Aquisição de centenas de novos trens, permitindo a redução dos intervalos médios entre composições.

Legenda: Da direita para a esquerda: trens da CBTU na Estação Roosevelt (atual Brás) e trem da Fepasa na Estação Júlio Prestes. Autoria desconhecida

O grande problema é que, superficialmente, tudo parece muito interessante e maravilhoso, entretanto, na prática a CPTM dá claros sinais de que não funciona adequadamente, prejudicando passageiros e funcionários. Com o aumento da demanda, proporcionado pelo aumento da oferta (quanto mais se pode transportar, mais gente deseja ser transportada), os desafios só aumentam, mas a empresa não se reformula para responder a eles.


Falta transparência e fiscalização

A falta transparência é um dos primeiros fatores que se destacam quando o assunto é a CPTM. Com baixos níveis de transparência, naturalmente se torna ainda mais difícil exercer níveis adequados de fiscalização popular.


Pagamos então a conta duas vezes:
Primeiro, pagamos com nossos impostos, pelo mau uso do dinheiro público; segundo, pagamos com nossa saúde e tempo, drenados diariamente pela infraestrutura deficiente.

Há urgência por uma reforma administrativa, pois a empresa simplesmente não consegue garantir um cronograma razoável para seus projetos, atrasos nas licitações que elabora se somam a aditivos contratuais que elevam os custos previstos inicialmente.

O caráter provisório

Como uma empresa de caráter provisório e criada em 1993 pelo então governo estadual de Luiz Antônio Fleury Filho, cujo papel ficou muito evidente durante o governo Mário Covas, a CPTM não tem e nunca teve a intenção de se responsabilizar totalmente pela operação e modernização da malha, sendo apenas uma empresa responsável por pensar e gerir concessões.

O projeto Integração Centro, brevemente comentado em nosso artigo sobre a Estação Luz, dá sinais claros das intenções de governos anteriores. Em consulta ao antigo site do projeto, sabemos que a empresa Hidroservice Engenharia teria sido contratada para elaboração de um “Estudo de Apoio para Concessão da CPTM ao Setor Privado”, ao custo de R$ 1.780.072,87 (valores de março de 2000), além disso, o antigo site revela que haveria o chamado “componente institucional”, o qual incluiria “a contratação de um Financial Adviser, que conduzirá o processo de concessão da CPTM ao setor privado”, reforçado por parágrafo que dizia:

O Projeto prevê ainda a execução de projetos executivos para as intervenções previstas, a supervisão de obras civis e de sistema, o gerenciamento da implantação do Projeto e os estudos de concessão de pelo menos uma das linhas da CPTM ao setor privado.

Os atrasos e problemas nas licitações evidenciam que a estrutura da CPTM não funciona adequadamente, existindo também indícios de que sua direção não está preparada para a tarefa de modernizar as linhas, expandir o atendimento etc, logo, não entende o papel do sistema hoje.

Obscuridade marca a falta de informações

Diferentemente do que a estatal publica em seu site, não estão em obras e modernização apenas as linhas 9–Esmeralda (Osasco-Grajaú) e 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto). Além dos 65 trens que já estão em fabricação, a CPTM tem licitações para modernização em todas as linhas. Não são poucos os contratos e alguns deles foram assinados há mais de quatro anos (citamos um deles em nosso artigo sobre a Estação General Miguel Costa).

Exemplificando, se observarmos algumas notícias publicadas pela Folha de S.Paulo em 2013, rapidamente perceberemos que o site da CPTM está escondendo do contribuinte e passageiro a magnitude do programa de obras e modernização:

Como a empresa é pouco transparente, não fornece um cronograma e não lista cada uma das licitações para consulta e acompanhamento, sem exigir que o passageiro tenha de se especializar em caçar números de editais em fóruns e publicações do Diário Oficial do Estado de São Paulo, a percepção a respeito das obras não poderia ser das mais negativas.

O Coletivo já conquistou uma reunião no passado, mas não basta, pois até o momento a CPTM não tem esboçado mudanças, além disso, a reunião ocorreu 18/06/2015, sendo que até a data de publicação do artigo, quase três meses depois, a estatal não parece estar engendrando esforços para realizar encontros periódicos conosco.

É preciso pressionar e ter consciência

Os finais de semana e feriados se tornaram não um momento de descanso, mas uma espécie de tormento, no qual o morador de cidades atendidas pelo Trem Metropolitano ao longo da Grande São Paulo se vê quase privado da cultura, do lazer e até mesmo do trabalho. Abaixo podemos conferir duas situações numa mesma linha, em 2013 e 2015:

Legenda: Os anos passam, mas os serviços executados aos finais de semana permanecem e, com eles, longos intervalos e falta de alternativas e respostas. Da direita para a esquerda: cartaz informativo na estaçãoprovisória de Francisco Morato; tela de seleção da linha com obras no aplicativo da CPTM; descrição das obras no aplicativo da CPTM

Como não existe um sistema de acompanhamento dos trens, seja nas plataformas, seja fora delas, o passageiro não tem outra opção: ele vai precisar sacrificar seu tempo. Se o passageiro sai às 5h de casa, chega na estação às 5h30 e o trem acabou de partir, então ele pode ter de esperar até 6h ou 6h15, dependendo do intervalo médio praticado, pode também enfrentar uma viagem mais demorada e com trens muito cheios mesmo num final de semana. Atrasos e aborrecimento se tornam recorrentes. Curiosamente, algo assim é praticamente inimaginável de acontecer no Metrô (que por enquanto só atende bairros da capital paulista) a cada final de semana ou feriado, mas é uma constante na CPTM.

Será que, sendo a estatal pouco cobrada pelos grandes jornais e atendendo não somente a capital, mas mais 21 municípios além dela, que pouco são discutidos pelos mesmos veículos de imprensa, não permanece existindo uma visão de que os trens transportam “apenas gente pobre” e que “eles estão acostumados”?

Nenhum governo permanece no poder por mais de 20 anos, continuando a exercitar sua negligência com relação à mobilidade metropolitana sem ter relativa segurança. É preciso que todos tenham a consciência de que a CPTM é tão importante quanto o Metrô, por isso, listamos abaixo alguns fatores que reforçam que mesmo problemática, a configuração atual do Trem Metropolitano é extremamente estratégica:

  • Possui duas estações bem localizadas no Centro Velho da capital paulista: Luz e Júlio Prestes, sendo a primeira conectada às linhas 1-Azul (Tucuruvi-Jabaquara) e 4-Amarela (Luz-Butantã);
  • Oferece a única ligação de caráter expresso de toda a rede com o Expresso Leste (Luz-Guainazes) da Linha 11-Coral (Luz-Guainazes-Estudantes), conectando parte da extrema Zona Leste ao Centro Velho;
  • É o único meio de transporte metroferroviário que atende à Aglomeração Urbana de Jundiaí por meio da extensão operacional (Francisco Morato-Jundiaí) da Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí), existindo uma grande oportunidade de dinamização — do atendimento e do diálogo da cidade com a ferrovia — naquela região;
  • Fornece ao conjunto de centralidades ao longo da Marginal Pinheiros um serviço de alta capacidade por meio da Linha 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú), essencial e importantíssimo para viabilizar empregos e os mais variados empreendimentos;
  • Tem grande potencial para requalificar as regiões dos eixos Lapa-Brás e Brás-Ipiranga, melhorando a ocupação do solo urbano na capital paulista, o que se relaciona diretamente com a Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí;
  • Permite acesso conveniente a terminais rodoviários e importantes centros de comércio e serviços que estão fora da capital paulista, contribuindo assim para reduzir a centralização excessiva de atividades em São Paulo e fortalecer o caráter multi-central da região metropolitana;
  • Atende uma série de municípios do Grande ABC, uma das regiões com maior Produto Interno Bruto do Estado de São Paulo, por meio da Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra), sendo um serviço expresso cada vez mais necessário;
  • Exibe grande potencial para dinamizar a conexão entre Alphaville e a Granja Viana e os municípios da Sub-região Oeste da Grande São Paulo, já atendidos pela Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno);
  • Sua malha dentro da capital, apesar de ser quase invisível, compreende cerca de 130 km de trilhos, sendo, portanto, maior do que a malha atual do Metrô;
  • Devido à extensão total da rede (pouco mais de 260 km), existe a possibilidade de integrar trens e automóveis por meio do Rodoanel, inclusive integrando linhas que são distantes sem passar por dentro da capital.

O serviço tem problemas sérios e precisamos demonstrar que não somos invisíveis, sabemos dos problemas e queremos seriedade, ao mesmo tempo, as oportunidades existentes deveriam ser mais do que suficientes para romper com qualquer estigma.


Também não podemos aceitar que a imprensa esqueça de nós!
Somos mais de 3 milhões de passageiros.

É oportuno lembrar a CPTM transitou entre uma empresa que parecia nem sonhar em transportar 1 milhão de passageiros na década de 1990 para uma que atualmente transporta cerca de 3 milhões de passageiros. Estamos falando de um número considerável de pessoas que não contam com uma cobertura decente de questões metropolitanas, entre as quais, o Trem Metropolitano, principal (para não dizer único) meio de transporte estruturante de dezenas de cidades da Grande São Paulo.


Conclusão

Desde o surgimento do COMMU, o Coletivo tem pautado questões estruturais e de extrema importância no que tange aos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. Atacamos as raízes e não os sintomas.

Mais uma vez reforçamos que o o poder público não pode continuar a permitir o acúmulo de aditivos contratuais, atrasando e prejudicando milhares de vidas. O desenvolvimento da Grande São Paulo depende de transparência por parte do governo e de mais fiscalização por parte da imprensa e dos moradores.

Finalmente, a CPTM precisa se planejar melhor e de forma clara não só para permitir que seus próprios passageiros também se planejem, mas sobretudo para que as obras possam ser percebidas com um mínimo de credibilidade, algo que não acontece hoje.


Colaborações: colaborou Diego Vieira



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