São Paulo vai pagar para pedalar, finalmente? BikeSP - Parte 2

Por Lucian De Paula | 29/12/2023 | 6 min.

Legenda: Mulher pedalando na região da Avenida São Luís, República (março de 2015)
Cicloativistas e SMT discutiram a minuta de regulamentação do programa BikeSP, que iniciará um piloto em 2024

Os membros da Câmara Temática da Bicicleta (CTB), instância acessória do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT) pressionam, há anos, pela regulamentação do programa BikeSP, instituído por lei desde 2016, e do qual já comentamos aqui.


Programa foi aprovado em 2016

Cobrado mensalmente nas reuniões da CTB com a prefeitura, o BikeSP, que prevê que a prefeitura pague pelos deslocamentos feitos de bicicleta até o trabalho ou escola, nunca saiu do papel, pois o município alegava não ter segurança para calcular o benefício da substituição dos veículos automotores pela bicicleta. Desde então, foi feita uma parceria com o Banco Mundial para apoiar o desenvolvimento e implantação do Plano Cicloviário de São Paulo. Dentro deste acordo de cooperação, o estudo deveria estimar as externalidades negativas e positivas provocadas, no contexto da cidade, pelas viagens de automóvel, moto, ônibus, bicicleta e a pé. O relatório estimou um valor dos benefícios que a migração de um meio de transporte para outro poderia trazer para a cidade. Assim, a prefeitura obteve informações suficientes para esboçar um início para o programa. O estudo do Banco Mundial iniciou-se em 2022 e foi finalizado no primeiro semestre de 2023.

A partir daí, a prefeitura passou a organizar um projeto-piloto, previsto para 2024, em parceria com o Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP) para estudar o impacto da remuneração no estímulo à adoção da bicicleta nas viagens casa-trabalho e casa-escola. O mais importante é que a rubrica para o projeto-piloto já foi criada, e já consta na Lei Orçamentária Anual de 2024.

O pagamento dos ciclistas deve ser baseado por quilômetro percorrido no trajeto, controlado por meio de um aplicativo de celular. O usuário precisará percorrer uma distância mínima de trajeto e existe um valor máximo a ser pago por dia. As viagens serão limitadas à ida e volta diária.

A proposta do projeto-piloto de pesquisa do IME, patrocinado pela Fapesp e CNPq, pode ser baixado aqui, o código e outros arquivos relacionados à proposta (em inglês) podem ser baixados aqui.

Legenda: Ilustração do pôster do projeto de pesquisa. Fonte: Ana Yoon Faria de Lima

Demandas da Câmara Temática da Bicicleta ao poder público

Enquanto o cálculo do valor de remuneração não fica pronto, os membros da CTB se reuniram com equipe da prefeitura para discutir a minuta do decreto de regulamentação, e garantir a inclusão de demandas e pagamentos adicionais para os grupos excluídos da mobilidade de bicicleta. O decreto estabelece diretrizes do programa, mas deixa os detalhes da sua execução (como o valor final a ser pago) em aberto a serem definidos por portaria. A lógica é que novos casos a serem determinados possam ser resolvidos diretamente pelas comissões da Secretaria de Mobilidade e Trânsito, sem ter que envolver diretamente o prefeito que assina os decretos.

As diretrizes do programa BikeSP tem duas vertentes: uma visando melhorar a qualidade do transporte público e outra ligada à redução do uso do transporte motorizado particular. A gratificação paga envolve uma conta a partir de qual modo de transporte o usuário migra. Um usuário do carro de passeio provoca muitas externalidades negativas (custos coletivos pagos pela sociedade), então se este usuário abandonar o carro em prol da bicicleta, temos um ganho maior do que se um passageiro de ônibus deixar de usar o coletivo para adotar a bicicleta. O valor a ser pago poderia levar este fator em conta, dependendo do que for observado no projeto-piloto.

Os membros da CTB insistiram para que algumas mudanças fossem feitas no decreto, que resultou nas seguintes inclusões:

  • A inclusão da melhoria da saúde nos objetivos do BikeSP;

  • O programa previa apenas incentivo para viagens ao trabalho, e foi incluída a possibilidade do pagamento nas viagens à universidade, escola, lazer e turismo, levando em consideração os vários usos da bicicleta e sinergia com outras iniciativas da prefeitura, como a criação do Polo de Cicloturismo de Parelheiros;

  • Fomentar o uso da bicicleta em todos os distritos da bicicleta, conforme resolução 22 do CMUV, visando capilarizar a abrangência dos programas na cidade, inclusive os programas de bicicleta compartilhada;

  • Além de reduzir a poluição atmosférica, inseriu a diretriz de reduzir a poluição sonora;

  • Aumento do pagamento para os recortes excluídos da bicicleta, como mulheres, crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.

Sobre o último item, a demanda da CTB foi que, independentemente do valor pago para os ciclistas, deveria haver um acréscimo de 50% da remuneração destes grupos. Mulheres, jovens, idosos e PCDs (pessoas com deficiência) são grupos com menor acesso à bicicleta, e o aumento da remuneração seria uma forma de estimular a adoção de bicicletas. Foi tomado cuidado para considerar que, no trajeto para escola, pais que levassem seus filhos de bicicleta também poderiam ser incluídos no benefício. Foi discutida a possibilidade de variar o pagamento conforme horário e dia da semana, o modo de transporte integrado ou substituído, e as gratuidades ou descontos que o ciclista tem direito no transporte coletivo.

Além de finalizar a minuta do decreto, foi acordado que a prefeitura redigiria uma Nota Técnica que possa ser publicada, mostrando o embasamento e o raciocínio que construíram o decreto e operacionalização do programa. As justificativas não cabem no texto jurídico, mas devem ser expostas por transparência.


Créditos de mobilidade, perigo do programa nascer morto

A ideia de pagar as pessoas para andar de bicicleta é um sucesso em diversos lugares, como já discutimos antes. Mas a prefeitura insiste naquilo que consideramos um problema grave: ao invés de pagamento em dinheiro, eles insistem em “pagamento em créditos de mobilidade”.

O que exatamente seriam créditos de mobilidade? A prefeitura ainda não definiu. A princípio seriam remunerados como créditos de bilhete único. Temos um problema óbvio: se estamos pagando para um usuário trocar o ônibus pela bicicleta, não faz muito sentido pagar em viagens de ônibus. Se o recurso não pode ser utilizado de fato, então é o mesmo que não ter havido pagamento.

Haveria ainda a possibilidade dos créditos poderem ser usados nos sistemas das bikes compartilhadas e patinetes registrados no município. Mas além da cobertura desses sistemas ser muito restrita no território da cidade, esses créditos, nas mãos das operadoras, tem que virar dinheiro Real em algum momento, ou simplesmente não haverá interesse em oferecer a parceria.

A Secretaria da Fazenda ficou de fazer um levantamento de como poderia ser utilizado este crédito, mas não deu retorno aos membros da CTB. Uma comparação óbvia a ser feito é a Nota Fiscal Paulista. Quando ela surgiu, rendia créditos que podiam ser utilizados para o pagamento de imposto ou as contas de utilidades como água e luz. Pouco tempo depois o sistema foi simplificado e os munícipes puderam sacar o dinheiro, e a política foi um sucesso. A dificuldade imposta de utilização dos créditos de mobilidade coloca em risco toda a utilidade do programa do BikeSP e seu sucesso. Os membros da CTB já alertaram para este problema. Esperamos que com a realização do projeto-piloto no 1º semestre de 2024 uma solução seja alcançada.

O próprio projeto de pesquisa do IME-USP reconhece em suas definições que para a elaboração do piloto é preciso considerar a remuneração em dinheiro, ao invés de créditos do bilhete único.


3. Remuneração a ser paga por quilômetro e definição da forma de remuneração, que pode ser específica para o projeto piloto. Por exemplo, recursos financeiros no lugar de créditos limitados a serviços públicos;
Fonte: Política de bonificação a ciclistas: um estudo de caso na cidade de São Paulo (2023, p. 3)

Até lá, seguimos aguardando a implementação deste programa que já completou 7 anos de atraso.

O documento do Banco Mundial pode ser encontrado aqui.




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